por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Na vitrola do tempo


Ando sentindo uma nuvem de tristeza espalhada pelos cantos, e altos. Não enxergo a desgraça... Apenas aflição , e descontentamento generalizado. Hora de reprogramar a vida, eu acho! Reprogramar a partir dos sonhos, objetivos, quereres, e limitações. A propósito, meu amigo Cosme passou por aqui com seu sorriso de anjo-de-guarda, que ele joga fora, e disse-me: rico é quem vive bem, dentro das suas limitações. Claro que perguntei de imediato: quem te ensinou isso, menino?
- Achei por aí... Não sei quando, nem onde!
- Grande verdade!

Minha vida foi animada demais nas estradas.
A vida amorosa, sempre está em movimento...
Quase uma paixão, um encanto inteiro
Amor sublimado, e de brincadeira.
Amor que chega, amor que passa...
Amor que fica, e amor fantasma!

Essa fase é novíssima, mas estou gostando de todos os meus planos!
Tristeza é pensar que a vida é sempre do mesmo jeito, e que ela não tem jeito!

A cozinha é a sala de visita dos íntimos. O cheiro de café está sempre no ar... Um dos preferidos de todos. Só perde pro cheiro de chuva e empata com o do jasmim!
Todo mundo tem sempre algo para contar. De instante em instante, alguém toca a campainha ou o telefone chama. Todos estão sempre pendurados no celular, ou ligados na internet... Se duvidar, têm até namorado virtual!
Juscelino Kubitschek não é mais o Presidente da República. Inventou Brasília, e o Rio deixou de ser a Capital da República. Copacabana é só dos nossos sonhos, e dos boêmios cariocas!Deixei de fazer roupas de bonecas, de ler estórias da Carochinha, de levar lancheira pra escola, de ganhar bombons do Pe.Frederico, no Instituto São Vicente Férrer; de dançar a quadrilha gritada por Zenira Cardoso, de soltar balão, chuvinha e cebolinha na calçada, em noites de S.João; de brincar de roda (só de combinação...), de ler romances em voz alta pra minha avó Donana; de assistir novelas de rádio, de participar de programas de auditório na Educadora ( subir aquela rampa ... pura magia!); de dançar nas tertúlias da Pedro II; de ouvir as serenatas de Peixoto e Zé Flávio; de usar mini-saias, laquê no cabelo e passar baton com gosto de caramelo, café com leite ou hortelã; de "aprender" latim com Vieirinha, Ciências com Ivone Pequeno, história com Alderico Damasceno, Química com Pe Davi, Geografia com José do Vale Feitosa, Desenho com Dr.José Nilo, Português com Dr. Zé Newton... etc,etc,etc!
Apaixonava-me, platonicamente, todos os dias... Pelos primos, colegas de classe, e vizinhos! Não perdia a Pça. Siqueira Campos nos dias de domingo. Levei lanche pra assistir "Os Dez Mandamentos”, no Cine Moderno. Colecionei álbum de figurinhas dos artistas de cinema. Flertei, indefinidamente, com o garoto dos meus sonhos, sem a menor esperança de namoro.
Senti a alegria do primeiro clarão de Paulo Afonso, e a invasão dos eletro-doméstico, em nossas casas! Ai, ai... Foi o fim da "muriçoca"... Genial! Li revistas de amor em quadrinhos: Capricho, Ilusão e Destino... Comprei discos da Jovem Guarda. Pedi música por telefone no programa de Rádio de Heron Aquino: (Sou feliz/no trem que parte para o interior/feliz... /porque comigo vai, o meu amor/ e o trem... / só chega quando o dia amanhecer...")... E chegava mesmo, em Fortaleza! A gente viajava pra ver o mar, fazer exame de vistas, comprar o óculos, comer cachorro-quente, e tomar "Grapette" (quem bebe Grapette, repete!).
Criança, adolescente, mulher e mãe, numa única década... inocente e abruptamente!
Crato (1968). Amei aos 16 anos um jovem marxista dialético. Corri na biblioteca da Faculdade de Filosofia pra locar "O CAPITAL" de C.Marx. Um livro filosófico, chato e complicado para minha cabeçinha de nuvens cor-de-rosa. Procurei saber o que era "mais valia"... E me inculquei deveras, sem entender... Por que a Igreja condenava a igualdade para todos? As figuras mais lindas, sensíveis e humanas que eu conhecia estavam infectadas da suspeita de serem "comunistas"! Calava cada pensamento mas torcia pela liberdade dos expatriados, do povo com sede de justiça e de liberdade. Na minha escola esse assunto era condenado. Eu sabia, no fundo do meu coração, que homens como Miguel Arraes, Sílmia Sobreira, Dom Helder Câmara não poderiam ser estigmatizados... Eram meus ídolos! Protótipos de seres humanos nos quais eu me espelharia. Mas a gente morria de medo de dizer o que sentia...
Meu Diretor, José Newton Alves de Souza era um homem culto e sábio. Apostava no caminho do meio... Nem tanto o mar nem tanto a Terra... Dizia-nos que o capitalismo gerava o egoísmo; que o comunismo, esmagava o indivíduo... Mas nunca proferiu um veredicto. Admirava-o pelo não radicalismo! Claro que nos ajudou, mesmo sendo pressupostamente de direita... Na realidade era um democrata cristão, apolítico, mas filosófico! Um homem de caráter inabalável, completamente admirável! Será que o Crato tem consciência do quanto deve àquele Educador?
Tornei-me aos 16 anos, professora de Matemática, talvez pela pressa de equacionar a minha própria vida, de vivê-la insaciavelmente, até encontrar todas as essências!
Mas, volto a falar de Ítalo (meu amigo marxista). Um homem de cabelos e bigodes negro-azulado, olhos de hortelã e voz embargada de ternura. Como não me apaixonar quando cantou no meu ouvido,... "Love is a many splendored thing”? Correspondemos-nos, diariamente, por um período de um ano. Depois, ele foi preso, minhas cartas foram censuradas, e nos afastamos! Ele encontrara a companheira certa... Uma pré woodstockiana, que não tinha os tabus da época e os velhos preconceitos que enfeavam a maioria das mulheres! Bem feito para mim, que não estava pronta! Ainda sonho com um beijo, que nunca passou do desejo... Arrepiava-me quando me chamava de "baixinha" e deixava um beijo no final das cartas... "Do teu"! Ensinou-me a gostar de Paulo Moura, Nelson Cavaquinho, Cartola, Sidney Miller, músicas clássicas, latinas... e jazz!Presenteou-me com Adélia Prado, Cecília, Clarice e Florbella... Disse-me “que o seu destino era o Rio, e que o meu era Londres"! Sabia que existia em mim uma alminha aventureira dentro dos meus olhos de grandes sonhos!
Casei-me, surpreendentemente, no final do ano de 1969, com o primeiro que me pediu em casamento! Era bom caráter, sincero, amigo... Ainda bem que Deus o escolheu para ser o pai dos meus filhos!

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