A palavra descriminalização se traduz como o ato de tornar sem efeito a criminalização (tratar algo como crime) de um fato abstrato antes considerado crime. Nesta semana num fórum de alto nível da América Latina foi proposta a descriminalização do usuário da maconha. Outro fato político relevante foi assistir-se como por voz do tema o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fazendo um dos papéis mais relevantes de um ex-presidente além do meramente papel oposicionista. O relevante papel de um cidadão que após exercer o mais alto comando da nação, volta-se com equilíbrio para assuntos tão importantes quanto aqueles de governo, só que agora na esfera da sociedade civil. E qual a importância da descriminalização da maconha como tema relevante se tantas iniqüidades nos rodeiam?
É que este debate abre uma porta de compreensões que nos serão bastante úteis quanto ao futuro do Estado repressor e da sociedade civil construtora de democracia. Um exemplo: o ex-ministro, gênio musical de uma geração, ativíssimo em sua atividade de pensar o mundo e realizar arte, Gilberto Gil alguns anos passados foi preso por policiais por uso de um cigarro de maconha. Foi execrado, notícia de primeira página por uma transgressão das normas vigentes, mas normas com base em conteúdo duvidoso. O malefício arrasador da maconha. O malefício arrasador não apenas ao seu usuário, mas a fantasia maléfica de que o usuário seria induzido a praticar crimes violentos contra a economia popular e contra as pessoas físicas.
Agora após anos de estudo o que se sabe? A maconha é uma das drogas, ao lado inclusive do álcool e do tabaco mais usadas no mundo todo. A geração de FHC conheceu a maconha, daí em diante o seu uso ficou mais freqüente tanto na juventude quanto entre adultos mais velhos. Basta buscar as referências culturais a partir dos anos 60 que a maconha faz parte do cenário dos personagens e das manifestações destes. Mesmo assim, um policial qualquer de uma delegacia de periferia pode achacar, ameaçar e prender um usuário com a desculpa de ser um traficante. Aí se considere que não se trata de preconceito contra o policial, apenas demonstrar o quanto de papel discricionário a sociedade lhe deu.
O outro dado é que a maconha tem efeitos danosos para a saúde. Provoca problemas respiratórios, pode afetar o coração e ser um fator de risco que se some ao aparecimento do câncer de pulmão. A pessoa tem um efeito embriagador com a maconha e quando dirige fica mais vulnerável a provocar acidentes. A maconha entre 5 a 10% dos seus usuários pode desencadear crises psicóticas. Sabe-se que um grupo igual de pessoas pode ficar dependente dela e que no geral os usuários contumazes tendem a perder eficiência nos estudos e no trabalho.
Visto assim os estudos da maconha dão efeitos danosos num perfil parecido ao tabagismo e ao uso, mesmo que eventual, do álcool, claro que com as especificidades de cada um. Por isso este debate da descriminalização em boa hora desloca o assunto da repressão policial e da justiça para o campo natural da saúde pública. Junto com o alcoolismo, o tabagismo, o sexo seguro, alimentação saudável, exercícios e assim por diante.
por José do Vale Pinheiro Feitosa