por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

POEMAS DE ISOPOR



"CORPOS DE PAPEL"

A intuição é um raio
E a poesia um trovão
Que anuncia o ensaio
De um poema em ação
As vezes a rima está
No sentimento que há
Na centelha da paixão

Por isso ninguém explica
A hora em que o verso nasce
A teoria não se aplica
No momento do impasse
Não escrevo por vaidade
E sim por necessidade
De revelar o disfarce

Quando a rima está oculta
Nas entrelinhas do verso
O mistério então avulta
Deixando o leitor disperso
Trazendo a tona os ensejos
Dos diferentes desejos
Dos seres do Universo:


As 
teorias
são
plausíveis
quando
passam
pelo
crivo
da
prática


Ulsses Germano
Crato, 25/02/2011

 

O pássaro e a pedra



 
                                                    
O PÁSSARO E A PEDRA


Um pássaro pousado numa pedra
um pássaro enorme
um pássaro muito maior do que a pedra
um pássaro só pássaro
muito mais do que a pedra só pedra
todo o ser do pássaro
sob sol a pino
sobre a pedra em fogo

De repente
o pássaro voou

A pedra em chamas sob o sol a pino
sem o pássaro
a ausência do pássaro
a ausência enorme do pássaro
a ausência muito maior do que a pedra
uma pedra só pedra
uma pedra sem o pássaro
a pedra sem o ser do pássaro
a pedra quase não é
a pedra sem

Nada maior que a solidão
da pedra sem o pássaro
o milagre do ser do pássaro



Costurando versos...-Por Socorro Moreira



Tenho um jardim de ervas e relvas
Com sempre-vivas
em todas as minhas pedras !

viajo no tempo
qualquer barulho
me acorda
iluminando a memória...
te encontro em bela época
te perco em cada volta

te acho lá no passado
num apático anonimato
mas de imagens bem fortes

Cansada de tanto andar
percebo teu respirar
adormecemos em sonhos
acabamos (de)vagar

recomeçar
palavra de ordem
o ponto é frouxo
a linha é tênue
mas é possível
remendar ou costurar
o sonho antigo da gente

socorro moreira

no deserto de Atacama - Por Domingos Barroso


Ninguém mesmo andará com tua bengala.
O pombo que solta mísseis pastosos
acertando em cheio o colarinho
da tua camisa polo

é só um aviso
que o tempo
é outro.

Encosta a bengala,
meu caro.

A saudade consumida
pelo mormaço do quarto
e pelas traças enjoadas
de livros empoeirados

é só um sinal
que a vida mudou.

O mundo do dia pra noite
não planta orquídeas nem
faz papa quentinha de bebê.

O mundo permanece
(graças a deus) o de sempre:
tuberculoso, frio e vão.

Não o mudes
[esse mundo
é uma prévia
da tua existência]

se fosse diferente
haveria no teu quintal
na tua área de serviço
na tua varanda

aqueles cavaleiros
de capa e capuz
e foices

abrindo os dentes
sob um ar sombrio
de queimar a espinha
de medo.

O teu olhar, meu caro
é que é totalmente

diferente hoje
diferente amanhã.

Graças ao teu deus
tu agora percebes

com os olhos fechados
debaixo do chuveiro

é mais fácil esquecer o tempo
não se importar com a vida.

Nem precisas especular
a tua ansiedade.

Ninguém mesmo andará suspenso
sobre os teus chinelos e nem arderá
encostada à parede a tua bengala.

Tu só mudaste
porque sabes:

um vacilo
é tenebroso
o prelúdio
da dor.

E dor (convenhamos)
só se for de parto
e de filho querido.

 por Domingos Barroso

"Salvador in Blue"








O Mar da Minha Terra

Nenhum mar é mais belo
que O Mar da Minha Terra.
Porque nenhum mar tem a espuma
mais branca
que “A Espuma do Mar da Minha Terra”.

Nenhum mar é mais temido
que O Mar da Minha Terra.
Porque nenhum mar tem as ondas
mais fortes
que “As Ondas do Mar da Minha Terra”.

Nenhum mar é mais cantado
que O Mar da Minha Terra.
Porque nenhum mar
tem “A Magia
das
Lendas do Mar da Minha Terra”.

Nenhum mar tem a cor
mais bonita
que A Cor do Mar da Minha Terra.
Porque nenhum mar tem um azul
Como “O Azul
do Mar da Minha Terra”.


E se Esse Mar é da Minha Terra ...

Me desculpem a pretensão,
mas Esse Mar é Todo Meu.

( Corujinha Baiana )
Inspirado no poema “ O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia” de Alberto Caeiro ( Fernando Pessoa )
domingo, 25 de outubro de 2009


Edith Piaf: uma história para se contar...

Eu te amo meu Brasil - José do Vale Pinheiro Feitosa

Quem se espantará com alguém que diz amar. Principalmente se este amor é seu país e sua gente. É um amor lícito, sublime, pois amor à natureza deste território e à cultura que traduz gente. Pois foi isso que o compositor Dom da dupla Dom e Ravel fez com a música “Eu te amo meu Brasil” e divulgada pelos Incríveis.

A questão não era que a ditadura tivesse o direito de fazer a sua propaganda, pois ela não se importaria com algo em assunto de direito. A questão é que ela não amava os brasileiros, pelo menos na construção do seu marketing interno: o Brasil Ame-o ou Deixe-o, era uma verdadeira expulsão de brasileiros. E como deixar de ser brasileiro uma vez o sendo?

E os Incríveis cantaram quando seus colegas eram literalmente expulsos pelos militares do país: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque etc. Eles podem cantar aquela música pensando em ser igual ao Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, mas tomaram o partido de uma ditadura.

A música começa com uma ordem unida: Escola...Marche...E aí toque praias ensolaradas, a mão de Deus abençoando, a mulher com mais amor, o céu com mais estrela e o sol com mais esplendor. E diz que vai plantar amor, buscam os chavões das mulatas e as tardes mais douradas. Dom, Ravel e os incríveis “Incríveis” eram o motor, acho que oportunistas, para alienar a juventude do Brasil.

Para baixar um manto sobre a censura e a expulsão de brasileiros. Era uma estratégia para esconder as práticas e a ética do regime militar. Um regime tão picareta que se aproveitava da rebeldia de alguns jovens de classe média que resistia a ela, como se ali fosse um dia de juízo final.

Caetano Veloso em recente entrevista a Geneton Moraes Neto sobre aqueles anos lembra um episódio que bem traduz o jogo duro tentando se esconder atrás de um marketing ameno. Estava exilado e a irmã Betânia negocia seu retorno para apenas uma visita aos pais que comemoravam importante data. Caetano chega com a ex-mulher Dedé e ao descer no Galeão é imediatamente recolhido num carro, sem ao menos justificarem nada para os companheiros de viagem.

É levado para um prédio no centro da cidade do Rio e lá submetido a enorme pressão. Queriam que declarasse coisas a favor do regime. Que ele estava fora do país por vontade própria, quando isso não era verdade. Queria o mais incrível, que ele compusesse uma música para servir de marketing ao regime. Ele se recusou, mas teve que aceitar fazer dois shows na televisão globo para demonstrar que o regime não tinha nada com ele.

Impuseram-lhe estes dois programas e a rede globo estava a serviço da estratégia. Acontece que naqueles anos Caetano escrevia no jornal O Pasquim e todo mundo sabia por que estava fora do Brasil. E quanto ao Dom e Ravel?

Eram de Itaiçaba no Ceará. Irmãos migrantes ainda jovens para São Paulo. Um deles tinha talento musical e o professor lhe apelidou de Ravel, o Dom veio depois. Em 1969 gravaram o primeiro LP, intitulado Terra Boa, no qual havia a música “Você também é responsável”. O Coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação do Presidente Médici, a tornou o hino do MOBRAL (movimento de alfabetização de adultos). O sucesso do Eu te amo meu Brasil, foi tal para quadros do regime que o governador paulista Abreu Sodré teria sugerido ao presidente Médici transformá-lo em hino nacional.

A dupla virou, para sempre, símbolo da bajulação da direita e do regime. Mas foi quando em 1973, revelando a trajetória de sua família pobre gravaram a música “Animais Irracionais” denunciando as injustiças sociais. Era o fim do Milagre Econômico e eles eram povo. A direita não gostou e os dois sentiram na pele aquilo que o ufanismo daquela Eu te amo, tentava esconder na pele dos outros.

"Poemínimo" - Como Tiago ensina ...


Corpos de papel 

Barraco de versos

Se chover 

Vai borrar letrinhas

(socorro moreira) 


"Corpos de Papel" 

De catarse em catarse 
a gente vai dissolvendo o impasse...!

(Ulisses Germano)

Cadê ? - Por Isabela Pinheiro



Cadê?

Cadê meu amor?

Cadê teu amor?

Cadê nosso amor?

Cadê tudo isso?


Alguma coisa aconteceu

O nosso amor morreu

Como conquistar para o nosso amor voltar

E de repente você verá

Que conquistará

Para o nosso amor continuar.

foto de Isabela e Miguel by Joaquim Pinheiro

Das Dores- por socorro moreira




Das Dores
Tem o manto das noites
Viaja dias a fio
Nunca pára ,
nunca deita ,
nunca alcança o impossível

Espreitas aleatórias
Não tem país , nem história
Parece feita de pedra
parece feita de chão
Dança no ventre a paixão
mas gosta da solidão

Nunca escuta , nunca dita
Não liga o rádio da vida
Não canta alguma canção.
Seu mundo é tão obscuro
Feito nuvem condensada
numa ampla escuridão.

A loucura é seu destino
É assim desde menina ...
No céu da desolação.

Das Dores é minha alma
Pagã , em busca de fé
espera a compensação.

Uma luz que se aproxima
da agústia lhe desvia
mas a sina de Dasdores
é achar o seu condão.

Arte fotográfica - Por Emerson Monteiro

O escritor, fotógrafo, artista plástico, político e amigo é gente do nosso Azul!

Saudades do João...



* Editora Coqueiro em 20/04/2006 09:09


Violeiro João Nicodemus - Cebolão brasileiro
A AFINAÇÃO CEBOLÃO, típica da viola paulista, marca a apresentação de João Nicodemos (Foto: Divulgação).


Henrique Nunes

A tradução da viola e do cancioneiro brasileiros, influenciados pela convivência em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Ceará, marca a trajetória do paulista João Nicodemos. Morando há seis anos na cidade de Crato, o músico faz sua primeira apresentação em Fortaleza hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste

Nascido no município paulista de Tupã, filho cearense e mineira, João Nicodemos rodou um bocado pelo Brasil, absorvendo a cultura destes vários Estados. Além de São Paulo, Goiás, Minas, Mato Grosso do Sul e Ceará, também passou pelo Rio de Janeiro. “Sempre acompanhado pela música, toco vários instrumentos. A viola trato para as raízes regionais, desde o Mato Grosso do Sul, por volta de 87, 88”, descreve.

O músico conta que o instrumento, comum às mais diversas regiões do país, teve um processo distinto de interação com o seu universo musical. “A viola foi a minha professora mesmo, enquanto os outros instrumentos, estudei com professores e tudo... Com a viola não, foi saindo, na ponta do dedo”. Entre outras linguagens desenvolvidas pelo músico, estão o choro (onde ele se acompanha por cavaquinho e sax soprano) e a bossa nova (já através do sax alto). Mas sua aproximação com a música nordestina de raiz acabou o levando a aproximar-se de outro instrumento, a rabeca. “Ia até levar praí, mas vou só com a viola mesmo”.

A viola e toda a sua expressividade musical, em que integram-se linguagens de várias regiões e épocas. Um arranjo simples de “Trenzinho Caipira” sugere o passeio pelo Brasil a bordo de sua viola Xadrez, um modelo com dez cordas de aço que acompanha o estilo paulista até mesmo na afinação “cebolão”. João Nicodemos conta que teve violas de luthiers (caboclos danados na fabricação de instrumentos), mas prefere usar o seu pequeno modelo Xadrez com afinação em ré. Em geral, entre as mais de 20 variações de afinação, a mais usada é em mi. “É ‘cebolão’ porque esta afinação emocionava as moças até as lágrimas em outros tempos”, conta.

Segundo o violeiro, este é um instrumento personalizado, em que você começa a estudar e a tocar, e que, como a rabeca, permite criar uma afinação diferente. “É um instrumento que tem uma história profunda na música brasileira, desde o começo do século passado se toca, se compõe, e que hoje tem um boom muito grande, até orquestras de viola, em Minas e São Paulo”, aponta, acrescentando de pronto: “Eu posso dizer que traduzo o meu sentimento de brasilidade tocando viola. Um violeiro aprende com o outro, aceitando as sonoridades, os ritmos, o timbre, o jeito de tocar, de cada região, cada tradição de cada lugar”.

Depois de embarcar no “Trenzinho” de Villa-Lobos, São Paulo dá o tom em bom “cebolão” com Angelino de Oliveira (“Tristeza do Jeca”), a popular “Cuitelinho” (resgatada pelo paulista Paulo Vanzolini), partindo depois para Goiás com Tião Carrero e sua “Rio de Lágrimas”, (Tião Carrero), Mato Grosso do Sul, via o paulista Mário Zan com “Chalana” e ainda com uma composição própria de Nicodemos, um misto de guarânia e rasqueado “Para Helena” (a violeira sul-matogrossense Helena Meireles).

“Depois de andar um pouco por ali, chego no Nordeste, com Luiz Gonzaga, um pout-pourri com ‘Matulão’, ‘Asa Branca’, ‘Juazeiro’, ‘Algodão’. Também passo pelos baiões estilizados, a bossa nordestina de Edu Lobo, ‘Arrastão’, ‘Ponteio’... E tem também ‘Cio da Terra’, representando um sentimento mineiro”, expõe o paulista bom de palavra. Segundo ele, a empatia com o público, através deste passeio interregional pela verdadeira música sertaneja brasileira, se torna, assim, uma possibilidade real.(...)


"Diário do Nordeste", 20/4/2006:
http://diariodonordeste.globo.com/

HUMBERTO TEIXEIRA - Por Marcos Barreto de Melo


Como surgiu a imortal dupla do baião
Os primeiros sucessos de Luiz Gonzaga, como cantor, surgiram em 1943, dois anos após ter sido contratado pela RCA.No início de sua carreira, Gonzaga atuou apenas como solista, por uma imposição da própria gravadora.As primeiras músicas cantadas por ele compostas em parceria com o fluminense Miguel Lima logo se tornaram conhecidas do público.São dessa época músicas famosas como Cortando o Pano, Dezessete e Setecentos, Penerô Xerém e Mangaratiba, entre outras.
Apesar do êxito, a parceria com Miguel Lima não durou muito tempo. Luiz, de formação genuinamente sertaneja, queria gravar músicas que falassem de sua gente, do seu longínquo pé-de-serra. Ele tinha a melodia e precisava de alguém que fosse capaz de colocar a letra. Miguel Lima, no entanto, não se integrava muito bem com o projeto artístico de Luiz Gonzaga de querer lançar, no Rio de Janeiro, as músicas brejeiras do Norte. Por isso ficaram juntos somente até 1945.quando Gonzaga viu-se obrigado a procurar um outro parceiro que, como ele, estivesse disposto a cantar o Nordeste.E foi na poesia do jovem advogado cearense, Humberto Teixeira que Gonzaga encontrou a sua nova parceria.


Vencedor de Concurso
Humberto Teixeira nasceu em Iguatu, cidade do sertão cearense, a 5 de janeiro de 1916, de onde, aos dois anos de idade, saiu para residir em Fortaleza.Aos seis anos, aprendeu a tocar musete (uma versão francesa da gaita de foles) com o seu, o maestro Lafaiete Teixeira.Tocava flauta e bandolim e, com 13 anos, fazia parte da Orquestra Iracema, a qual regida pelo maestro Antônio Moreira, musicava os filmes mudos no Cine Majestic, de Fortaleza. Em 1931 o garoto Humberto Teixeira radicou-se no Rio de Janeiro, onde, aos 18 anos, em 1934, descobriu que a sua vocação estava indiscutivelmente voltada para a música.Venceu, neste mesmo ano, o concurso de música carnavalesca promovido pela revista “O Malho”, com a música “Meu Pedacinho”.A sua música foi classificada ao lado de outras compostas pó gente famosa, como Ari Barroso e Cândido das Neves.Em pouco tempo, Humberto foi se tornando amigo de Lamartine Babo, Benedito Lacerda, José Maria de Abreu e de outros cantores e compositores daquela época.
Quando, em 1943, formou-se advogado pela Faculdade Nacional de Direito, Humberto Teixeira já havia composto sambas, xotes, marchas e toadas. Sua primeira música a ser gravada foi “Sintonia do Café” lançada por Déo, em 1944.Outras composições de Humberto foram gravadas nessa mesma época: Só uma Louca Não Vê (Orlando Silva); Deus me Perdoe (Ciro Monteiro; Meu Brotinho (Francisco Carlos) e Natalina (Quatro Ases e Um Comigo).

Encontro com Luiz Gonzaga
Desfeita a parceria com Miguel Lima, Gonzaga estava agora à procura de um novo parceiro. Admirava muito as músicas compostas pelo cearense Lauro Maia, interpretadas com sucesso pelo conjunto “Quatro Ases e Um Coringa”. Decidiu, então, procurar Lauro Maia, que se mostrou pouco interessado na proposta apresentada. No entanto, disse conhecer a pessoa certa para ser seu parceiro e apresentou Luiz Gonzaga ao seu cunhado, Humberto Teixeira.

O encontro do pernambucano Gonzaga com o cearense Teixeira deu-se numa tarde de agosto de 1945, no escritório do bacharel, na Avenida Calógeras, no Rio. A conversa, animada, prolongou-se até à noite e.ao fim de algumas horas, já haviam acertado os detalhes da nova empreitada. Nesta primeira conversa, concluíram que o baião era o mais urbanizável e estilizável dentre todos os ritmos de música do Nordeste.

Logo no primeiro encontro destes dois nortista surgiu o esboço do que veio a ser xote No Meu Pé-de-Serra.

“(...) Solfejei a música, Humberto olhou-me meio descrente e perguntou-me:

-Já tem algum começo, um principiozinho de letra?

Cantei:

“Lá no meu pé de serra

Deixei ficar meu coração”...

Fez sinal de que parasse.

-Ótimo.Agora solfeje a música, bem devagarinho...

Rabiscava umas coisas num papel pra repetir.

Quando terminei dei uma espiadela no papel. Admirei-me de vê-lo coberto de versos.

-Mas que beleza!Exclamei entusiasmado.

Com que rapidez você faz letra rapaz!

Riu e adiantou:

-Às vezes faço música ainda mais depressa, embora cante pior que todos os cisnes do Capitólio. mas o que fiz agora não é a letra ainda não.

Isso é só o “monstro”. A letra faço depois. Eu, que lera por alto e gostara, protestei:

-Tá conversando!Nesse aqui você não bole mais. Tá muito boa, Humberto.

-Calma Luiz. É uma letra provisória, pra me basear. Faltam os retoques, mudar umas coisas. Quando vier, vem outra”(1).

E assim teve início a parceria de Humberto Teixeira com Luiz Gonzaga, onde as qualidades poéticas de um foram aliadas à capacidade melódica e interpretativa do outro. Dessa união resultou um grande incremento à nossa música, devido à excelente qualidade do que produziram.

“A minha parceria com o Humberto Teixeira foi perfeita, assim como uma luva que se encaixa na mão de uma pessoa” (2).Assim se expressou Luiz Gonzaga ao ser interrogado a respeito do parceiro.Ainda segundo Luiz Gonzaga “Humberto Teixeira era um grande poeta. Juntava sertão e asfalto numa mesclagem muito bem bolada, de onde saíram coisa bonitas”(2). De fato, Luiz precisava mesmo de alguém como Humberto Teixeira, que, além de ser um poeta dotado de uma capacidade indubitável, era também instrumentista e profundo conhecedor da vida e dos costumes sertanejos.
Nasce o baião
O baião, também chamado “baiano”, teve sua origem na batida dos violeiros do sertão, conforme estudos já divulgados. Esse ritmo, no entanto, era conhecido apenas nos estados nordestinos.O que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira fizeram, na verdade, foi urbanizar e estilizar o baião, dando-lhe um novo aspecto.Na sua versão primitiva, cantada por violeiros, o baião apresentava-se entremeado de falas, o que atrapalhava a continuidade da música.Conforme declarou Humberto Teixeira: ”Estilizamos as principais características, traduzimos os modismos do Nordeste e tornamos a música mais dançável... (3). Segundo Luiz Gonzaga:”...o baião foi estilizado para tornar-se música comercial.Aproveitamos os temas folclóricos, com letra nova e melodia estilizada...”(4).

Surgia, assim, em 1945, o baião moderno e urbanizado, com uma nova roupagem, onde os instrumentos originais (viola, pandeiro, botijão e rabeca) foram substituídos por zabumba, triângulo e sanfona.Com isso, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira promoveram uma verdadeira revolução na música brasileira, até então dividida entre o samba-canção e outros ritmos importados.

No ano de 1946, os “Os Quatro Ases e Um Coringa” gravaram a primeira composição pelo próprio Luiz Gonzaga, tempos depois.

Os primeiros frutos da parceria de Humberto com Luiz Gonzaga logo se transformaram em verdadeiros sucessos nacionais, o que possibilitou ao baião firmar-se como um novo e autêntico estilo de música, além de garantir a Luiz Gonzaga o título definitivo de “Rei do Baião”.No período de 1946 a 1950 o baião dominou 80% das execuções musicais no Brasil, o que refletia a grande aceitação tida pelas obras de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga.

Esse fenômeno, até então inédito na indústria fonográfica brasileira, fez com que as prensas da RCA trabalhassem quase exclusivamente para Luiz Gonzaga.

A primeira música da dupla a ser gravada por Luiz Gonzaga foi o xote No Meu Pé-de-Serra, em 1946. Depois vieram outros clássicos da música nordestina: Asa Branca, Paraíba, Baião, Lorota Boa, Mangaratiba, Baião de Dois, Juazeiro, Légua Tirana, Macapá, Xanduzinha, Qui Nem Jiló, Estrada de Canindé, Assum Preto e Respeita Januário.

Apesar do brilhantismo dos primeiros anos, a parceria de Humberto Teixeira com Luiz Gonzaga se desfez por volta de 1952, quando já estava em pleno vigor a parceria de Gonzaga com o poeta pernambucano Zé Dantas.Porém o que Humberto havia composto no período em que esteve com Luiz Gonzaga já era o suficiente para assegurar-lhe a posteridade.

Em 1954, Humberto elegeu-se deputado federal pelo Ceará, apoiado pelo líder paulista Adhemar de Barros, com cerca de 12.000 votos. Como deputado, ele teve destacada atuação no campo do direito autoral. Conseguiu a aprovação da lei “Humberto Teixeira”, o que permitiu uma maior divulgação da música brasileira no exterior, através de caravanas musicais subsidiadas pelo governo federal.

O baião entra em crise
Após ter dominado o mercado brasileiro por quase 10 anos, o baião, a partir de 1956, começou a dar sinais de visível declínio, tendo progressivamente cedido o seu espaço para o movimento da Bossa-Nova e os acordes da guitarra.

Durante um período de aproximadamente 15 anos (1956-1971), o baião esteve marginalizado e esquecido nas grandes cidades onde, um dia, reinou. Com isso, teve que retornar à sua terra de origem, refugiando-se no Nordeste.Assim como o baião, os seus criadores também foram condenados ao ostracismo.

No que pese o grande talento de Luiz Gonzaga, não podemos negar que a obra de Humberto Teixeira foi de uma importância inconteste na volta do baião e de seus congêneres e, conseqüentemente, na volta de seu maior intérprete maior.

Na verdade, o baião começou o seu caminho de volta em 1965, com a gravação do imortal hino nordestino Asa Branca (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) por Geraldo Vandré, em seu LP “Hora de Lutar”. Três anos depois, em 1968, surgiu a notícia, não-confirmada, de que os Beatles iriam gravar Asa Branca.Embora isto não tenha se efetivado, foi, sem dúvida, mais um passo para o retorno de Luiz Gonzaga.

Em 1969, Gilberto Gil incluiu em seu LP o baião 17 Légua e Meia (Humberto Teixeira/Carlos Barroso), um antigo sucesso na voz de Luiz Gonzaga.Neste mesmo ano, Gonzaga lançava mais um disco, onde o parceiro dos anos 40, Humberto Teixeira, se fazia presente através de duas novas composições: Canaã e Baião Polinário.

Dois anos depois, em 1971, quando do seu exílio em Londres, Caetano Veloso deu uma nova interpretação a Asa Branca. Mais uma vez a Asa Branca promovia a volta do baião.Ainda em 1971, Gal Costa gravou Assum Preto (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga), outro grande sucesso da dobradinha.Com isso, abria-se definitivamente o caminho que traria o baião e seus criadores de volta ao cenário da música brasileira.

A grande volta
Para assinalar a sua volta, foi lançado em 1971 o LP “O Canto Jovem de Luiz Gonzaga”, onde ele canta músicas de Gil, Caetano, Geraldo Vandré, Tom Jobim e Humberto Teixeira, com quem lançou o baião nos anos 40.A música Bicho, Eu Vou Voltar, que conta com a participação de seu autor, Humberto Teixeira, fala exatamente deste momento histórico para os criadores do gênero (“Bicho com todo respeito/Dá licença eu vou voltar/Oh desafio pai d’égua/pra cabra macho enfrentar...”) e da enorme gratidão para com aqueles que, de alguma forma, promoveram esta volta (“Caetano muito obrigado/por me fazer lembrar/não a mim, mas a tudo que eu fiz...”).

Nesta nova fase do baião, Humberto Teixeira ainda compôs algumas músicas para o amigo Luiz Gonzaga: Ana Rosa (1972); Marilu (1972); Baião de São Sebastião (1973); Saudade Dói (1976); Chá Cutuba (1977); Menestrel do Sol (1977); Salmo dos Aflitos (1978); Dengo Maior (1978) e Orélia (1979).

No seu disco de 1979, Gil nos trouxe uma nova versão de Macapá (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira) lançada com sucesso pela cantora Mariene, em 1949.

Em 3 de outubro de 1979, aos 63 anos, em sua casa no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro, morria o grande compositor e poeta Humberto Teixeira.

Após a sua morte, duas músicas ainda foram gravadas: Dança do Capilé (1982) e Xengo (1983).

Autor de mais de 400 composições gravadas (5), Humberto Teixeira compôs Kalu, para Dalva de Oliveira, e, em parceria com Sivuca, fez Adeus Maria Fulô, para Carmélia Alves. Uma de suas músicas foi gravada por Elba Ramalho no início de sua carreira (Bodocongó). Outros também gravaram músicas do poeta de Iguatu, a exemplo de Caetano Veloso, que gravou Kalu, e de Fagner, que faz uma homenagem ao poeta conterrâneo ao cantar Dono dos Teus Olhos.

Nos últimos anos de sua vida, Humberto refugiou-se em casa, num isolamento voluntário.Poucas pessoas passaram a ter acesso a ele.Só compunha para consumo próprio ou sob fogo cerrado do parceiro e amigo Luiz Gonzaga. Assistiu à distância a nova invasão do Sul pela música nordestina, quando muitos cantores da nova safra seguiam as suas pegadas.

Os nomes de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga estão íntima e irreversivelmente ligados na história do baião e da música brasileira, como um todo. Através de suas canções, o Brasil passou a conhecer Asa Branca, que, em seu vôo derradeiro, foge tangida pela seca, tal qual o retirante nordestino; o Assum Preto, que, cego dos olhos para cantar melhor, vive solto sem poder voar; a receita para um gostoso Baião de Dois; a disposição que tem o nortista, capaz de andar, sem parar, 17 Légua e Meia para ir num forró dançar e, ainda, como se dança o Baião.

Advogado, político, instrumentista, poeta e compositor. Esse é o perfil de Humberto Teixeira, um sertanejo cearense que, em um dia de agosto de 1945, uniu-se a Luiz Gonzaga para lançar o baião. Embora não seja o rei, Humberto Teixeira é, sem dúvida, um dos donos desse reinado chamado baião.

A sua morte, no ano de 1979, constituiu-se na perda de um dos maiores compositores da música brasileira. Com ela, ficaram órfãos a Asa Branca, o Assum Preto e o próprio Baião.

Marcos Barreto de Melo

Referências Biográficas

(1) SÁ, Sinval, in “O Sanfoneiro do Riacho da Brigada”, 5ª edição, Editora Thesaurus.Brasília, 1978.
(2) Declarações feitas por Luiz Gonzaga ao autor deste artigo em 11/08/84, no Parque Asa Branca, em Exu-PE.
(3) Veja (revista semanal brasileira), São Paulo nº 01,11/09/68, Págs. 110/111.
(4) Veja (revista semanal brasileira), São Paulo nº 74,04/02/70, Pág. 5.
(5) Veja (revista semanal brasileira), São Paulo nº 579,10/10/79, Pág. 110.

Além... - Por Socorro Moreira


Nova sorte.
Seguro as cordas
de um coração quieto
Diz que já não sente,
que nunca pensou...
Cego, sempre amou!

E na tristeza do vazio
a chuva desmancha
as pegadas do caminho,
quando fui ao teu encontro.

Além...
Uma ternura dirá
que não fomos tanto além
Nos separamos,
justo no primeiro sinal.

Curtas. Liduina Belchior.

Vou ao encontro do AMOR
e ele me puxa,
me arrasta,
me laça.

Teus olhos (assim como ver o mar) - por Vera Barbosa




Com a devida licença poética, "teus olhos abrem pra mim todos os encantos". Confesso que não sabia o que era isso, há muito tempo, e já não botava fé no inusitado. E, mais uma vez, o desejo se fez revelar. Foi assim "a primeira vez que meus olhos se viram no seu olhar". A paixão me permite juntar o tu com você.

Você sabe que tudo aconteceu de forma surpreendente, pois não havia qualquer expectativa sentimental em relação ao nosso primeiro encontro. Afinal, era um "ajuste de contas" ainda que indireto (riso). Estávamos saindo de uma trama de novela das oito, essas coisas de que se ouve falar sobre mentes perturbadas, pessoas desonestas e mal intencionadas, e que nunca se tornam normais pra gente que é normal. Não vou detalhar as entrelinhas (você as conhece tão bem quanto eu), fica subentendido o propósito.

O fato é que te saber hoje - e com todas as nuances de seu temperamento, humor e personalidade - é um encantamento. É isso: estou encantada. Tem sido mágica e prazerosa a proximidade. Adoro seu cheiro, sua pele, seu toque. Sua língua é cometa no céu da minha boca. Seus olhos de mar mergulham no meu mais profundo segredo. Seus dedos, estrelas cadentes... brilhantes... percorrendo minha pele, vasculhando as entranhas e desnudando minha alma. Sinto falta dos seus beijos, de nossas conversas, da sua companhia.

Você chegou iluminando tudo! Tem sido uma delícia compartilhar minha vida, meus grilos, minhas alegrias com você. Eu quero tudo com você: e um pouco mais. "O universo conspira a nosso favor, a consequência do destino é o amor".


por Vera Barbosa

Enrico Caruso



Enrico Caruso (Nápoles, 25 de fevereiro de 1873 — Nápoles, 2 de agosto de 1921) foi um tenor italiano, considerado, inclusive pelo ilustre Luciano Pavarotti, o maior intérprete da música erudita de todos os tempos.


metido a poema- por Socorro Moreira




O vento
Mesmo suave ou parado,
influencia o ambiente
Assim tu me pareces...
E quem pode contra o vento?


Existem contrastes
nas roupas que visto,
na pele que abraço,
nos lugares onde moro..
quero sempre o preto no branco,
e tudo acaba em cinzas!


Caminhar contigo posso?
Amor sem visgo ou conflito
Quero vivo!

Começa na dúvida,
na pergunta sem resposta
Só o feito do efeito,
inscrito na pedra...
Fica!

ABOBRINHAS EM BANHO MARIA - por Ulisses Germano


Coloquei a minha rima
Sentada num tamborete
Veja só a sua sina
Transformou-se em ramalhete
Está provado que o carinho
Sempre vem devagarinho
Como quem lambe um sorvete

Ulisses Germano - Crato, 24/02/11
Quadro: Nandi Riguero