Quando se adota uma ideia do mundo o normal é que tomemos
referências para orientar tais concepções. Uma parte de nós tenta refletir,
busca se informar em fontes independentes e até checa os seus conceitos
preliminares até formular a sua ideia de mundo. Mas há uma parte, no meu
entender significativa, que não reflete, segue trilhas que demonstram tendências
familiares e pessoais e apenas aprofunda este vício de origem.
Uma parte dos que desfilaram nas ruas com o descontentamento
ao governo Dilma, era desta natureza obtusa, irrefletida. Vale salientar que
existe uma matriz ideológica a fomentar tais obtusidades e por isso frases em
inglês, defesa do estilo de vida Miami, frases contra Cubas, Venezuela e até a
Bolívia.
Pesquisas feitas com esta parte dos desfilantes mostraram um
quadro desolador de preconceitos, aversão a tudo que não se oriente pelos EUA, protestam
contra as políticas de proteção social, negam o poder legítimo dos eleitores
nordestinos, perseguem a luta por igualdade de gênero, a luta pela liberdade de
opção sexual. E o pior de tudo, acreditam linearmente no que os seus canais de
formulação ideológica dizem.
Nesta semana o pensador americano Noam Chomsky ao ser
entrevistado num encontro internacional trouxe informações fundamentais para se
entender o papel político e terrorista dos EUA ao citar três exemplos: Nicarágua,
Honduras e Cuba. Vale salientar que o Brasil, mesmo de forma não muito firme,
sempre esteve ao lado dos países agredidos desde que se instalou a democracia
no país. E até mesmo quando na ditadura militar as lideranças adotaram
políticas externas mais independentes do mando americano.
O primeiro se referia à Nicarágua, ainda no tempo do governo
Reagan:
“Por exemplo, em 1985, o presidente Ronald Reagan invocou a
mesma lei (se referia às medidas de Obama contra a Venezuela) dizendo: “O
Estado da Nicarágua é uma ameaça à segurança nacional e à sobrevivência dos
Estados Unidos”. Mas nesse caso era verdade. Porque ocorria um momento em que o
Tribunal Internacional de Justiça tinha ordenado aos EUA que pusessem fim aos
seus ataques contra a Nicarágua através dos chamados “Contras” que agrediam o
governo sandinista. Washington não o levou em conta. Por sua vez o Conselho de
Segurança das Nações Unidas também adotou, nesse momento, uma resolução de que
pedia, a “todos os Estados”, que respeitassem o direito internacional. Não
mencionou ninguém em particular, mas todo mundo sabia que se estava a referir
aos EUA. O Tribunal Internacional de Justiça tinha pedido aos Estados Unidos
que pusessem fim ao terrorismo internacional contra a Nicarágua e que pagassem
reparações muito importantes a Manágua. Mas o Congresso dos EUA o que fez foi
aumentar os recursos para as forças financiadas por Washington que atacavam a
Nicarágua. Isto é, a administração Reagan opôs o seu método à resolução TIJ e
violou o que este lhe estava a pedir. Nesse contexto, Reagan pronunciou um
célebre discurso dizendo que “os tanques da Nicarágua estão apenas a dois dias
de marcha de qualquer cidade do Texas”. Ou seja, declarou que havia uma “ameaça
iminente”.
Depois Chomsky falou sobre o caso Honduras:
“Por exemplo, Obama é praticamente o único
líder que deu apoio, em 2009, ao golpe de Estado em Honduras, que derrubou o
governo constitucional (de Manuel Zelaya) e que instalou uma ditadura militar
que os EUA reconheceram. Isto é, podemos deixar de lado a conversa sobre a
democracia e os direitos humanos; não têm nada a ver: o esforço era para
destruir o governo.”
E agora Chomsky fala sobre os EUA e Cuba frente às
iniciativas americanas para distender a situação até então praticada por eles:
“Não se trata de “normalização”. É, primeiro, um passo para
o que poderia ser uma normalização. Ou seja que o embargo, as restrições, a
proibição de viajar livremente de um país a outro etc., não desapareceram...Mas
efetivamente constitui um passo para a normalização, e é muito interessante ver
qual é a retórica atual da análise de Obama e da sua apresentação. O que disse
é que cinquenta anos de esforços “para levar a democracia, a liberdade e os
direitos humanos a Cuba” fracassaram. E que outros países, infelizmente, não
apoiam o nosso esforço, de tal maneira que temos de encontrar outras formas de
continuar a nossa dedicação à imposição da democracia, liberdade e direitos
humanos que dominam as possas políticas benignas com o mundo. Palavra mais,
palavra menos, é o que disse. Quem leu George Orwell sabe que quando um governo
diz alguma coisa, é preciso traduzi-la para uma linguagem mais clara. O que
disse Obama significa o seguinte: durante cinquenta anos fizemos um terrorismo
de grande escala, uma luta econômica sem piedade que deixaram os EUA totalmente
isolados; não pudemos derrubar o governo de Cuba nesses cinquenta anos,
portanto, tudo bem se encontramos outra solução? Essa é a tradução do discurso;
é o que realmente quer dizer ou o que se pode dizer tanto em espanhol quanto em
inglês. (...) Efetivamente, os EUA fizeram uma campanha grave de terrorismo
contra Cuba sob a presidência de John F. Kennedy; o terrorismo era extremo
naquele momento. Há um debate, às vezes, sobre as tentativas de assassinato de
Fidel Castro, e fizeram-se ataques a instalações petroquímicas, bombardeamento
de hotéis – onde sabiam que havia russos alojados – mataram gado, etc. Ou seja,
foi uma campanha muito grande que durou muitos anos. E mais, depois de os EUA
terminarem o seu terrorismo direto apareceu o terrorismo de apoio, digamos, com
base em Miami nos anos 1990. Além da guerra econômica, iniciada por Eisenhower,
ganhou realmente impulso durante a era Kennedy e intensificou-se depois. O
pretexto da guerra econômica não era “estabelecer a democracia” nem “a introdução
de direitos humanos” era castigar Cuba por ser um apêndice do grande Satã que
era a União Soviética. E “tínhamos que proteger-nos”, da mesma maneira que “tínhamos
de nos proteger” da Nicarágua e de outros países...”