J. Flávio Vieira
Em meio ao denso nevoeiro dos
trágicos acontecimentos destes últimos dias, fica sempre difícil se perceber
bem os detalhes das múltiplas imagens e situações que se vão projetando , quase
que estroboscopicamente, à nossa frente. Em meio à maratona eleitoral, então, quando os
ânimos naturalmente se acirram de lado a lado, a visibilidade se torna bem mais
prejudicada. A perda repentina de Eduardo Campos, numa dessas catástrofes
típicas dos nossos sangrentos agostos, abate-se sobre o país com estardalhaço.
Desaparece uma das mais promissoras carreiras políticas do Brasil, em tempos de
escassez de novas lideranças, de novos discursos. Eduardo encarnava o novo,
percebia, claramente, que dificilmente este ano seria o seu, mas plantava sementes
para colher um pouco mais adiante. O
Nordeste viu-se tolhido duplamente : Eduardo conhecia de perto nossas
vicissitudes e agruras. O Cariri, então, viu-se ferido triplamente : saiu de cena
um grande político brasileiro e nordestino, com profundas raízes
fincadas no Sul Cearense.
Como
sempre, em meio à tragédia que se arrastou por toda semana, a comoção tomou de
conta do país. O brasileiro tem em si
este estado de comiseração epidêmico. É do nosso feitio absorvermos ,
rapidamente , as tragédias nacionais, trazendo-as para dentro da nossa casa.
Foi assim com Tancredo, com Getúlio, com Ayrton Senna. A Mídia, por sua vez, de
olho na audiência, nem sequer consegue maquiar o prazer quase sádico em
veicular, reiteradamente, as notícias mais tenebrosas. Sempre vesga, com um
olho no gato e outro no peixe, faz ampla e interminável cobertura dos fatos,
sem tirar o foco, porém, no outro lado da moeda : quem vai se beneficiar,
politicamente, do inesperado acidente. Aí, claro, sempre puxa a brasa para sua
tilápia: o poder econômico que lhe dá sustentação e, esse se associa,
explicavelmente, ao que há de pior e
mais retrógrado na política brasileira ( a Direitona que há cinco séculos mama
nas tetas públicas e esperneia quando alguma gotinha escapa por acaso e cai na
boca do povão). A dor incomensurável da família ninguém respeita, fica sempre
em segundo plano, vale o espetáculo midiático. A comoção do povo , às vezes
multiplicada, esta é sempre verdadeira, mas serve-se como recheio de notícias,
como pano de fundo ao que interessa, como catapulta a futuras intenções
de votos.
Há
um outro lado, mais perverso e sádico que costuma acompanhar nossas grandes
tragédias. Depois de alguns dias, quase que fincando um marco do fim do luto,
começam a aparecer as famosas piadas de humor negro. Os psicanalistas talvez
tenham uma resposta melhor para esta prática. Possivelmente, depois de um
período de tristeza coletiva, o humor venha, por fim, fazer com que as coisas
voltem ao normal, que o riso possa novamente aflorar nos lábios, que as
catástrofes possam ser engolidas como um mero tropeço no trajeto da humanidade.
Este ano, no entanto, por conta do acirramento
da campanha , no entanto, piadinhas de mal gosto, carregadas do mais negro e despropositado humor, começaram a pulular,
nas Redes Sociais quase que imediatamente. Elas faziam um contraponto importante à
consternação generalizada por que foi tomado o país. E, aí, surge uma pergunta
inevitável ? Quais são os limites do Humor ? Tem-se o direito de brincar e
fazer chacota com a dor alheia, sem respeitar o luto das famílias? Podemos
fazer piadas sexistas, homofóbicas, racistas ? Não estaríamos, com isso, desrespeitando pessoas ou alimentando chagas e
preconceitos que a modernidade busca firmemente combater? Além de tudo, uma
coisa é contar uma anedota numa mesa de bar e outra é divulga-la nas Redes
Sociais, ao alcance de um número infindável de internautas.
Todos sabem que gosto de escrever
textos de humor. Acredito, no entanto, que devem existir critérios éticos . Sei
que nado contra a corrente e que os comediantes da atualidade têm a forte
convicção que não há limites para a comédia. Pois bem, acredito que ninguém tem
o direito de ser achincalhado, pessoalmente, por quem quer que seja. Sou
contra, por exemplo, numa peça de teatro ou num show, se utilizar um espectador
como bode expiatório, sem o seu expresso consentimento: parece-me sempre isso
uma grande falta de criatividade. O
humor em cima de instituições, aí sim, tira-se a impessoalidade: fale-se do
Governo, da Previdência, da Câmara de Deputados, do Senado. Corte-se, também, a
rotulação, o grande motor de qualquer arraigado preconceito : todo judeu é avarento,
toda bicha promíscua, toda loura burra. Isso apenas ajuda a solidificar
segregações perniciosas e seculares.
No caso específico do prematuro desaparecimento de Eduardo Campos, o
humor negro demonstrou, claramente, que junto ao povo humilde e simples do Brasil,
continua a existir uma elite perversa que persiste lutando pela manutenção da
escravidão e solta seus capitães do mato, agora, nas selvas virtuais.
Crato, 19/08/14