por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 21 de março de 2025

 A POLÍCIA FEDERAL PEGOU JAIR - Celso Rocha de Barros


Bolsonaro pediu 'Me chama de corrupto!', PF chamou
Bolsonaro gostava de provocar pedindo: "Vai, me chama de corrupto!". A Polícia Federal chamou. Segundo a PF, Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, vendia clandestinamente joias doadas ao Brasil e entregava o dinheiro para o ex-presidente.

Nessa movimentação de muamba, Cid teria sido ajudado por seu pai, um general do Exército brasileiro. Em uma mensagem obtida pela PF, Cid diz que seu pai estava com US$ 25 mil, originários da venda das joias, prontos para serem entregues a Bolsonaro. Cid acrescenta que seria melhor fazer a entrega em mãos, sem passar pelo sistema bancário. Se isso tudo for verdade, Jair Bolsonaro é ladrão. Ele vê um negócio que não é dele, pega pra ele, sai correndo.

Ainda segundo a Polícia Federal, Jair colocou toda a estrutura da Presidência para trabalhar para seu esquema. Por exemplo, o pai de Cid, general Mauro Lourena Cid, estava nos Estados Unidos na qualidade de chefe do escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Miami. Um dos kits de joias roubados teria sido levado por Mauro Cid aos Estados Unidos no avião presidencial, quando Bolsonaro foi à Cúpula das Américas em junho de 2022.

Ou seja: segundo a PF, o presidente da República do Brasil aproveitou que estava indo se encontrar com Joe Biden para contrabandear joias roubadas que seriam entregues a um general brasileiro, para que ele as vendesse em Miami.

Sinceramente, a menos que o Brasil colonize Marte, não sei se tem como a gente perder a reputação de república de bananas depois dessa.

A responsabilidade jurídica me obriga a reconhecer que sempre é possível que Jair não seja ladrão. Talvez os bolsonaristas tenham descoberto uma conspiração comunista e combinado que, sempre que quisessem se referir ao complô sem despertar suspeitas, diriam "Roubamos joia vamo vendê tudo kkk". Talvez o general Lourena Cid tenha entendido errado o que queria dizer "promoção de exportações": Paulo Guedes pode tê-lo tornado um adepto tão fanático do livre-comércio que o general concluiu que o muambeiro é só a vanguarda do neoliberalismo.

E Bolsonaro, que nega tudo, já declarou que disponibilizará seus dados bancários para provar sua inocência nesse caso em que seus supostos cúmplices disseram que o dinheiro seria entregue em mãos.

Na verdade, ser ladrão nem seria o pior defeito de Jair Bolsonaro.
Seu golpismo e sua tendência a promover assassinatos em massa durante a pandemia foram incomparavelmente mais nocivos ao Brasil. No fundo, o fato de Jair ter envolvido oficiais das Forças Armadas brasileiras –incluindo um general– em roubo de joias é até pior do que a mutreta em si.

Mesmo assim, a revelação de que Jair é ladrão ajudaria a quebrar o transe em que esteve parte do público brasileiro nos últimos anos.
Quando você mostrava aos bolsonaristas os cálculos de especialistas deixando claro que pelo menos 100 mil pessoas morreram durante a pandemia porque Bolsonaro se recusou a comprar vacinas, ouvia que "pelo menos ele não é corrupto". Muita gente tolerou seu golpismo porque achava que os movimentos das instituições para se defenderem de Jair eram jogadas "do sistema" contra um presidente que não roubava.

Talvez agora esse transe acabe.

 

O terno marrom (Dr. Demóstenes Ribeiro *)

                                                      (para a Dona Zaíra – minha mãe – in memoriam )

     Éramos uma família rural, sobrevivente de um tempo remoto e deslocado no mundo desde o fim da escravidão. Sem mais vassalo, nem mais senhor nem sinhazinha... Ninguém sabia fazer nada, veio a derrocada, vendeu-se a fazenda por uma ninharia e se deu a fuga prá cidade.

     Mas como sobreviver? Meu pai delirou, se desfez do sítio Pau D’Arco e comprou uma casinha na cidade. Trouxe a mulher e os filhos, mas passava o dia inteiro no baralho onde perdeu o pouco que restou. No desespero, fugiu pro Maranhão e morreu por lá. A minha mãe, coitada, mantinha as aparências com cinco filhas, um filho doente, um arruaceiro, um malandro e um ou outro agregado que vez por outra aparecia por lá.

      Nas noites de angústia, me lembrava da minha infância feliz e do rio Salgado, onde aprendi a nadar com um tronco de bananeira, e alimentava a fantasia pueril de um dia tocar bandolim.

     Mas Deus não nos desamparou por inteiro. Não sei como, um comerciante de bom coração se casou com uma das minhas irmãs, e não mais sofremos tanta necessidade.

     Certo dia ele abrigou um sobrinho adolescente e o empregou na sua loja. Humilde, mas de valor, o rapaz com o tempo passou a gerente. Eu trabalhava no caixa, nos dávamos bem e começamos a namorar. Logo estaríamos casados: o amor e as suas conveniências – teríamos onde morar e eu ajudaria a minha mãe.

     Ele se mostrou um comerciante fino, lutou como um leão e começou o seu próprio negócio. Aos domingos, levava os meninos à igreja e assistia a missa de terno e gravata: uma das minhas melhores lembranças. Nossos filhos foram saudáveis e a vida, um relativo sucesso As mulheres me invejavam e eu era muito enciumada.

     A sua loja se tornou a maior da cidade. Nos dias de feira os sertanejos a freqüentavam, mas também nos outros dias todo o mundo passava por lá. As mulheres o adoravam e os alfaiates o recomendavam.

     Um deles, o Zé Leôncio, especialista em ternos, tinha um xodó com a Chica. Morena vaidosa, sempre de saia justa, batom vermelho e lenço colorido na cabeça, como se fosse um turbante. Tornou-se exclusiva do alfaiate e causava ódio nas donas-de-casa.

      Almir, um mulato delicado e de calça muito apertada, colecionava fotonovelas - Capricho, Fascinação, Sétimo Céu -, e as emprestava à moçada. Gostava de costurar para os rapazes e de tomar as suas medidas, principalmente as do gancho.

     E o Nezinho fazia a roupa do povão. Baixinho, usava brilhantina no topete e tinha um bigode ralo. Com fita métrica sobre os ombros, caderneta no bolso e lápis na orelha, costurava de todo o jeito, fosse qualquer a eventualidade. A sua mulher, Gerolina, peituda e de bunda respeitável, vivia prá cima e prá baixo. Quase não parava em casa.

     O meu marido era assediado e não podia ver um rabo de saia. Alegre e gentil com as mulheres, vez por outra cantarolava ‘’Amada amante”. E Gerolina passava sempre na loja para comprar alguma coisa ou ver as novidades. Nezinho pouco se importava, mas eu não gostava nem um pouco do assanhamento dela.

     Num fim de tarde de um feriado, a loja quase fechada, de longe eu vi que ela entrara. Não me viram. Cheguei sem ruído e fiquei no depósito, atrás de uma pilha de colchões. Os sem-vergonhas se agarraram e o meu marido dizia: ‘’vai, meu amor, tira a roupa, não tem ninguém, não ...’’ Gerolina arfava e sussurrava, ‘’não é perigoso? Nezinho pode chegar...``  E a voz rouca do meu marido, ``não se preocupe, se aparecer a gente dá um terno pra ele...’’

     Então, quase de imediato, pela a porta entreaberta, veio a voz fina e anasalada: ‘’mas só se for marrom!’’

     Gerolina se vestiu às pressas e eu não segurei a gargalhada.


(*) Dr. Demóstenes Ribeiro é médico cardiologista, natural de Missão Velha, atuante e residente em Fortaleza-CE.