A Etiópia tem mais de 90 milhões de habitantes, é formada
por várias etnias (reais, com territórios próprios, línguas independentes,
crenças e costumes numa fermentação transformadora entre a tradição e a enorme
pressão da globalização) e o país é dividido em dois: um de terras altas e
outro de terras baixas.
Nas terras altas, acima de 1.100 metros e chegando a mais de
4.000 metros, se encontra a alma da Etiópia com suas civilizações antigas e
cristã ortodoxa. Nas terras baixa, é o deserto (de Ogaden) e as encostas
férteis das terras altas, composta essencialmente por Harar e Dire Dawa. Aí
nesta região semidesértica predomina o Islã e toda a civilização decorrente de
sua expansão.
Então a Etiópia resulta da expansão semita em fusão com os
africanos em sua antiguidade e nos arranjos coloniais envolvendo franceses,
italianos e ingleses e principalmente de uma forte liderança, pertencente ao
povo Amhara mais organizado em termos civilizatórios, que foi Menelik II. Este
imperador pertencia a lendária dinastia salomônica que se originaria de Menelik
I, filho da Rainha de Sabá e do Rei Salomão de Israel. Portanto é uma dinastia patrilinear,
mas profundamente mítica.
O Século XX, inaugurado com o restabelecimento da tentativa
de unidade da Etiópia, foi dramático para sua história. Como dizia seu último
Imperador, Haile Salassié, a Etiópia tinha a aventurança e a desgraça de estar
cercada pela Europa (especialmente o colonialismo) e por isso sofreu todas as
consequências das duas Guerras Mundiais. E depois desta a Guerra Fria que na
prática foram as dores do parto da universalização do capitalismo e da globalização
financeira.
Por isso todo o Governo Salassié foi instável. No núcleo
central dele a grande crise social surgida do efeito comparação entre
desenvolvimento capitalista e atraso tradicional. Ao mesmo tempo a grande
dificuldade de unir as várias etnias num governo central ou seja sob égide de
um Estado Nacional. E no contexto internacional a disputa Estados Unidos da
América e União das Repúblicas Soviética e a luta pela libertação dos povos
colonizados na África.
No início dos anos sessenta, durante o Governo Juscelino
aqui no Brasil, o Imperador Salassié nos visitava e no curso de sua estadia
entre nós ele sofreu um Golpe de Estado preparado pela sua própria nobreza com
aliança de alguns generais. Juscelino ajudou o monarca a retomar o poder
emprestando-lhe dinheiro e avião. Daí em diante vieram secas que expuseram a
grande fragilidade do sistema social etíope centrado na concentração dos
recursos nas mãos de uma nobreza perdulária e ávida de privilégios. Resultou
numa arrasadora fome.
E a fome em queda do regime por um golpe militar comandado
essencialmente pelos jovens oficiais. A maioria dos quais formados na França e
Inglaterra. Além disso um forte movimento guerrilheiro dividido em vários
grupos como tendências esquerdistas vinculados à União Soviética e à China, e
outros financiado pelos EUA.
O regime imperial teve fim em 1975 e 1977 um conflito entre
os militares redundou na morte de um general e na assunção ao poder pelos
jovens oficiais que “decretaram” uma revolução socialista e a implantação do
socialismo na Etiópia. Isso num país disputado por vários movimentos armados e
com a Somália querendo tomar o Ogaden, incluindo Harar e Dire Dawa.
Quando um avião pousa no Aeroporto Internacional de Bole e seus
passageiros tomam as avenidas de Adis Abeba, vão encontrar um bairro em rápida
transformação, num ritmo acelerado típico da expansão das classes médias
globalizadas, funcionárias de multinacionais, do Estado, no comércio, serviços
e indústria. O povão nas cidades vive do comércio da indústria chinesa (como
aliás em quase todo o mundo) e no campo numa agricultura familiar tradicional
fazendo escambo nos mercados.
Um país capitalista preparado por uma revolução com o
carimbo de socialismo. O papel do socialismo foi efetivamente abrir a fechada
elite que se resumia à nobreza de sangue. E desse modo criar um Estado mais “moderno”
à feição da Europa e EUA. A feição em termos. Fica cada vez um país dividido
entre muito pobres e uns abastados falando inglês e consumindo em pequenos
lanches de final de tarde o que um pobre não consome (em termos de moeda) num
mês.