por José do Vale Pinheiro Feitosa
Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.
José do Vale P Feitosa
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Imaginário- por Socorro Moreira
nada é para sempre
as impressões se transformam
os sentimentos se esvaziam
o momento mágico de um enlace
correu pra tirar um cochilo
o que faz quebrar o encanto?
um olhar
uma palavra mal dita
a estrada,
que separa o destino
um atraso
a visão de outro mato
um encanto maior
a passagem da alegria...
fecham-se os círculos
até a gente
um dia vira cinzas
Fecho os olhos
e sinto um abraço
no sonho da madrugada
por um momento
foi real...
De novo ??? Outra vez ??? Novamente ???
Mestres - por Socorro Moreira
Armando Marçal - por Norma Hauer
Eduardo Gudin - Colaboração de Aloísio
o sol no meu chinelão antigo
como eu sou - torto e trôpego.
Além de viver esbarrando em cadeiras
e tropeçando nas minhas botas
meu pescoço sempre pende
pro lado sujo da parede.
A minha poesia é uma formosa dama
convalescente de um longo sarampo.
Tento, por deus, tento mesmo
beijá-la na boca mas seu rosto
defeituoso de tanta febre
causa-me medo.
Pode ser que a minha língua caia.
Qual a utilidade de um poeta sem língua?
Não quero perder por paixão alguma
a minha língua com suas extremidades
azuis e flexíveis.
Nessas horas a formosa dama
supõe indiferença da minha parte.
Aventuro-me então a ser lúcido o possível
e explicar-lhe que ela na verdade
não é uma dama nem formosa
apenas um ato voluntário
sabe-se lá de quem.
Concluo [para sua surpresa]
que tanto eu quanto ela
não somos absolutamente
o que imaginamos.
A minha língua com suas extremidades azuis e flexíveis
talvez seja de fato o único elo perdido.
O no
Dia da Caça

Aí pelos anos 40-50, um dos principais lazeres da cidade era a caça. Época do boom do cinema hollywoodiano, nossos antepassados --- à moda James Dean --- montavam em suas selvagens motocicletas e subiam a Chapada, nos fins de semana. Eram grupos e mais grupos de amigos, acampados na serra, à procura de veados, jacus, tatus e cutias. Imaginavam todos os recursos da natureza como infinitos e, antes dos olhos atentos do IBAMA, o impacto biológico terminou por se fazer inevitável. Profundamente machista, o costume dava um salvo-conduto aos homens por todo o fim de semana, longe dos olhos fiscalizadores das patroas. O esporte praticava-se por mero hobby , muitas vezes matavam-se mais as garrafas de aguardente levadas a tiracolo do que os animais que pretensamente se pretendia caçar.Sem falar que muitas vezes perseguiam-se, às escondidas, outros animais muito mais jeitosos, que estranhamente vestiam saias e usavam perfumes franceses.
Entre tantos caçadores, tínhamos uma das figuras mais emblemáticas do Crato, hoje injustamente esquecido: o Padre Irineu Limaverde. Filho de uma das mais tradicionais famílias caririenses, nosso pároco era uma figura interessantíssima. Bondoso, educado, virtuoso,delicadíssimo com todo seu rebanho, era , por outro lado, uma figura excêntrica. Criava cobras das mais diferentes espécies, fornecendo inclusive muitas para o Instituto Butantã em São Paulo. Além de tudo, mostrava-se onívoro e gostava de provar da carne de muitos bichos , usualmente descartados nas cozinhas : serpentes, morcegos, raposas. Não muito diferente dos chineses. Criado no campo, ali no Sítio Fábrica, próximo à Santa Fé, desde menino aprendeu os mistérios da caça e este esporte o acompanhou até que a indesejada das gentes o tolheu, nonagenário, contemplando a mesma paisagem que viu ao nascer. Há duas histórias do nosso Padre Irineu que gostaria aqui de relembrar, até para trazer de volta à memória do Crato, uma pessoa tão especial.
Num fim de semana, saiu ele e um morador para uma caçada. Subiam da Santa Fé ao topo da serra a pé. Acompanhava-os um jegue levando os apetrechos necessários e os víveres para a jornada de três dias. O sacerdote levava na mão o inseparável Rádio Transglobe que usava para ter informações do mundo, no período em que ficava recluso. O Rádio ia sintonizado em uma estação e executava algumas músicas que ajudavam na estafante subida. Lá para as tantas, já cansados do alpinismo, o morador teve uma idéia que parecia genial. Por que não colocar o rádio no meio da carga do jumento ? Assim iam ouvindo a música e se viam livre do peso. O padre achou a proposta plausível: já ia de língua de fora. Pôs cuidadosamente o rádio na cangalha, entre uma e outra mala e continuaram a subir a ladeira. O problema é que o jumento estranhou aquele barulho, torceu uma orelha para um lado a outra para o lado da cangalha e, de repente, fez parafuso no rabo e saiu em desabalada carreira serra a dentro. O padre e seu acólito ainda tentaram acompanhá-lo, mas foi impossível. Nunca mais viram o jumento, as malas e o rádio. Este caso fez com que o Padre Vieira, no seu fabuloso livro : “O jumento , nosso irmão” , tenha concluído , definitivamente, que o jegue não possuí muitas aptidões musicais.
De outra feita, nosso querido pároco subiu a serra sozinho e escolheu ,cuidadosamente, a árvore para a espera. Colocou a seva abaixo e trepou-se com cuidado. Era tardizinha, próximo ao crepúsculo. Irineu gostava de usar uma capa grande e espessa para protegê-lo do frio e um chapéu xadrez tipo Sherlock Holmes. Ficou lá em cima, acomodado num galho, com o Rádio de um lado e a espingarda do outro. De repente ouviu algum barulho, mato abrindo e fechando. Observou bem e viu que , coincidentemente, se tratava de mais dois caçadores . Chegaram, observando o ambiente e as condições de espera. Um deles achou que ali parecia o lugar ideal, pois até seva já tinha. Combinou com o companheiro que resolveu subir na árvore vizinha. Quando o promotor da caçada fez finca-pé para subir , já anoitecendo, ao levantar a cabeça, observou aquela moqueca lá em cima. Tomou um susto e assoviou para o outro que já ascendia nos galhos de um pequizeiro vizinho. Assustado o promotor pedia uma ajudazinha de coragem ao camarada. Quando o de lá atendeu ao assovio, o de cá mostrou com o dedo a aparição no topo da árvore. Quando o cabra viu aquela arrumação, ao invés de ajudar ao amigo, saiu em desabalada carreira, mato a fora, sendo acompanhado, incontinenti, pelo pedidor de socorro. Ouviam-se apenas os gritos, a mata abrindo e fechando, e as quedas de um e de outro nas ribanceiras. Lá para tantas, Irineu entoou um grito longo e grave :
---- UUUUUUUUUUUUUUU!!!!!!!!!!!!!!!
Só ouviu quando um dos cabras gritou arfante, em plena carreira, para o colega :
---- Meu Deus ! E o bicho fala !!!
J. Flávio Vieira
"Cosa nostra" - José Nilton Mariano Saraiva
Jornal de Recife repercute matéria da "Provincia", edição de julho – por Joaquim Pinheiro
Crato 1 - A passagem de Eduardo Campos pelo Crato (CE), para receber o título de cidadão, atiçou o debate entre os intelectuais pela anexação daquela cidade a Pernambuco. O Jornal “A Província” defende abertamente a tese dizendo que “já não se pode mais fazer de conta que este movimento não existe”.
Crato 2 - A tese de “A Província” é que o Crato se comunica mais com o Recife do que com Fortaleza e que os últimos governos do CE abandonaram a região (Cariri). A chance de a tese prosperar é zero. Mas pelo menos anima o debate na Academia de Letras da terra natal de Tadeu Alencar (Casa Civil).
Quem quiser ler a coluna pode acessar o site
http://www.folhape.com.br/index.php/fogo-cruzado/670825-fogo-cruzado-12102011
Manuel Bandeira
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Paisagem Noturna - Manuel Bandeira
A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . .
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
— Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua . . .
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua . . .
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
— Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.
Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.
O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.
Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
— A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam . . .
Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando . . .
Assim a névoa azul paira sonhando . . .
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.
E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .
Os mineiros do Chile - José do Vale Pinheiro Feitosa
A semântica da distração planta sono nas nossas mentes,
Deturpa os fatos, engana, fantasia, desvia.
Os hipnotizadores da televisão chamam os mineiros de heróis.
Aqueles mesmo de pele acobreada, da cara de Índio.
A mídia que empulha, que tergiversa, que serpenteia,
Nas circunvoluções dos nossos cérebros,
Não ouve a canção de Victor Jara:
“Con él, con él, con él, con él.
Son cinco minutos.
La vida es eterna en cinco minutos.
Suena la sirena. De vuelta al trabajo
y tœ caminando lo iluminas todo,
los cinco minutos te hacen florecer.”
Os mineiros do Chile não são heróis,
São mártires da ganância das mineradoras.
São vítimas da exploração que destrói gente,
Torna o deserto de Atacama num solo lunar.
De outra forma como um “herói” de 63 anos,
Desempregado, que necessita renda para sobreviver,
Permaneceu um buraco insalubre mesmo dizendo:
Aquela mina não é segura vou procurar outro emprego.
E quase vai! para o desespero de nossas indignações,
Buscar junto às asas do condor, como um Aimara nos Andes,
Sobre o torpor das consciências bêbadas de tanta mídia,
Que mija e caga na alma e muitos se acalmam como manjar.
É preciso que rebeldes construam uma “fênix” da liberdade,
Que se erga desta poeira ideológica que no pisam os comunicadores,
E da altura em que consiga voar,
Sopre para bem longe a névoa que turva a alma de todos.