por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 4 de junho de 2013

Sei que já ocupei o espaço de hoje, mas esta homenagem de Ruy Guerra aos brasileiros é tão enaltecedora que achei por bem postá-la por aqui:


Ruy Guerra 
"Há povos que fazem do seu sofrimento uma escola.
O português tem o retrato da sua alma no lamento do fado; o argentino, na arrogância do tango; o espanhol, no flamengo nostálgico da Ibéria mestiça.
O brasileiro se encontra na alegria. A imagem mais concreta da sua alma é a do seu sorriso sem dentes. O lugar comum é que o Brasil é o país do sol, do futebol e do carnaval. É um clichê mas tem os seus fundamentos.
O Brasil, em matéria de dor , é um hospital, uma casa mortuária e um cemitério. Mas o brasileiro é o povo menos masoquista que existe. Canta alegremente a dor, dança com o seu sofrimento. Isso talvez venha da costela africana, mas seja de onde venha, não perdeu o sadio primitivismo com a invasão da alta tecnologia, do laser e dos computadores.
O brasileiro é um otimista estrutural, precisa de motivos para estar triste, não precisa de nenhum para estar alegre. Perde um olho, não chora o olho que perdeu, canta a alegria de ver com o outro.
O ato de viver é, desde o parto, um largo sofrimento, mas o brasileiro parece não querer tomar conhecimento. Para ele a dor necessita uma justificativa maior, a alegria tem em si mesma a sua razão de ser.
Vive rindo e morre de sorriso nos lábios. Também mata às gargalhadas, tortura às gargalhadas e daí que a violência brasileira seja talvez mais insustentável, porque sublinhada pela sua cruel contradição.
O brasileiro é de um intrínseco paganismo na sua profunda religiosidade. Parece preferir as religiões africanas, não por acreditar mais nos seus santos, mas pela explosão da sua liturgia: um deus a quem se chega com gravidade é um deus que se respeita, mas nao se convida para tomar cafezinho. Negando a dor, se torna um iconoclasta.
O brasileiro parece nada levar a sério, o que não o impede de fazer as coisas com seriedade, porque nao existe nenhum ato de maior gravidade que o humor. E ninguém sabe rir melhor de si mesmo.
A Europa está velha, quem enche a boca com essa afirmação são os próprios europeus. Claro que dizem isso sem acreditar, mas é mais um clichê que é verdade.
São graves, compenetrados, importantes, dominadores, sadios, o que quiserem, mas perderam (ou nunca aprenderam) o caminho da alegria. Sabem fazer piadas, inventar anedotas - mas sim sobre os outros - o que assume uma forma de arrogância, não de humor. Podem achar que são felizes, mas não são alegres na sua felicidade. E se asfixiam nessa ausência. Reconhecem no brasileiro a alegria que salta por todos os poros, e não a compreendem. Só lhes resta um desprezo invejoso ou uma admiração cautelosa.
O turista estrangeiro vai ao Brasil consumir a alegria que lhe falta na sua felicidade, sem compreender o mistério da convivência de uma sociedade destroçada (que também lhe pertence), com uma euforia de viver (que lhes é negada).
O brasileiro é incovenientemente alegre demais. Sem motivo aparente, fala alto demais, ri alto demais, grita alto demais, veste-se alto demais, faz tudo demais. Esse demais é que explica tudo o que não tem como ser explicado, porque a alegria escapa aos manuais de etiqueta, é por definição informal, rompe com o bem-comportado, estraçalha com o bom-tom, os compêndios, a lógica.
O brasileiro se despe na alegria. Já o tentaram vestir de terno e gravata, enfiar num smoking, enterrar num pijama de madeira, emprisionar numa farda. O único uniforme que vai bem no brasileiro é a nudez, que é o que há de mais próximo à liberdade, à irreverência. O brasileiro continua sadiamente nu no riso.
O brasileiro nao tem vergonha de nada, so' de estar triste. A alegria é despudorada.
O brasileiro é hipocondricamente alegre, até na morte. Num velório, é preciso fazer força para manter um mínimo de formalidade, imposta pela herança de um ritual alheio, que no fundo nao entende, porque a dor não é incompatível com a alegria. Velório que acaba em festa é a maior homenagem que se pode fazer ao morto.
O sofrimento é, para a maior parte dos brasileiros, uma abstração, uma jornada transitória, um estágio para a alegria, que é uma inevitabilidade histórica, como a copa do mundo de futebol. Uma vitória que pode tardar, mas que está sempre para chegar, e chega. Porque o futebol, mais do que um esporte, é o ritual da consagração inevitável da alegria do povo brasileiro. E os garrinchas, seus ogãs e sacerdotes alados.
Um brasileiro alegre é um pleonasmo. Um brasileiro triste, um enigma.
Em bom francês, do alto do seu cartesianismo, o general Charles de Gaulle disse que que o Brasil não era um país sério. Coitado, passou por Roma, mas não viu o Papa; o país é mais sério do que qualquer outro.
Stefan Zweig, para mim um escritor menor, quando num lampejo escreveu " Brasil: país do futuro" acertou mais do que ele mesmo - e muitos dos que o leram e torceram o nariz - poderia imaginar, porque o futuro do Brasil nao está só no amanhã, mas também no ontem e no hoje. Está na sua perene, indomável e subversiva alegria."

A conquista do sul - José do Vale Pinheiro Feitosa

Contando a bacia do Rio da Prata, dos Pampas, do Chaco, parte da bacia do Amazonas e a bacia do Orinoco pela costa do Atlântico, os Espanhóis na América do Sul herdaram toda a costa do Pacífico ou seja a metade do continente. Na verdade os portugueses levaram uma vantagem relativa quando 8,5 milhões de quilômetros quadrados dos 17,8 quilômetros quadrados da América do Sul lhes pertenceu. Isso considerando os aproximados 200 mil quilômetros quadrados ocupados pela Inglaterra, Holanda e França no que se chamou Guianas.

A conquista espanhola dos territórios do Pacífico, incluindo o vasto interior pela Cordilheira dos Andes e até grandes trechos do território do Amazonas e toda a bacia do Orinoco tem um centro galvanizador. Foi, como no México, a conquista dos Incas, do ouro e da prata do Peru. Uma conquista tão poderoso que causou uma enorme inflação na Europa de então e estando na raiz de grandes fomes e de uma crise camponesa sem igual.

A expressão institucional do domínio do Pacífico é o Vice-Reinado do Peru. Alías, a cidade de Lima tem umas das mais belas Praças de Armas das Américas no estilo antigo dos espanhóis. No botim das riquezas do Incas entre Pizarro e Diego de Almagro este se rebela e, tomando conhecimento de que riquezas maiores existiriam ao sul, atravessa os Andes desde Cuzco, perde grande parte de sua tropa por hipotermia durante a travessia e chega ao vale do Capiapó onde acontece a Guerra do Arauco com os nativos e, sendo Almagro perdedor, retorna ao Peru para continuar a disputa com Pizarro. Isso aconteceu em 1536, mas a historiagrafia chilena considera a sua descoberta como tendo ocorrido em 1520 pelo português Fernão Dias de Magalhães na sua famosa circunavegação da terra.

Mas a história das Américas não é a história da conquista do mercantilismo pura e simples. Ela é a dinâmica que transforma os camponeses europeus e os nativos americanos num caldo cultural do mercantilismo e sua empresa mercantil que se capitaliza através da exportação de produtos minerais e agropecuário com seus derivados. Nem os espanhóis eram este ser único como ainda não é hoje. O centro do reinado era Castelha, mas a Galícia, a Catalunha e até os belicosos Bascos não são um único cultural. Assim os nativos do Chile.

Como havia Castelha na Península Ibérica a rivalizar com os Portugueses, no Chile os valorosos Mapuches eram o núcleo de expressão frente à força cultural dos Incas ao norte. Incas que dominaram os Aimaras, os Atacamenses (do Atacama) entre outros. Por isso que a cultura de resistência chilena e peruana quando precisa avocar sua alma americana fala num grande personagem chamado Túpac Yupanqui como símbolo das lutas políticas de agora. Os Túpac eram os imperadores Incas.

Em 1540 Pedro de Valdívia atravessa o Atacama, evita a rota da cordilheira feita por Almagro e começa a guerrear com os nativos seguindo numa conquista rumo ao sul, fundando cidades (na verdades pequenos fortes com agrupamento humano mínimo) e vai até ao sul. Funda cidades como La Serena, Concepción, La Imperial, Valdívia entre outras. Isso durou treze anos, quando em 1553 os Mapuches se rebelaram, retomaram seu território e mataram Pedro de Valdívia. Fica na rebelião dos povos oprimidos à força, a enaltação da memória de duas lideranças Mapuches: Lautaro e Caupolicán.

Os espanhóis destacaram para combater os Mapuches um fidalgo com nome florido: Garcia Hurtado de Mendonza y Manriquez. Este tomou um tombo fenomenal dos Mapuches e resolveu-se com a herança do vice-reinado do Peru. E foi aí que um espírito além das amarras do conservadorismo a serviço da empresa mercantil enxergou depois do pragmatismo da exploração e ouviu a humanidade nascida das franjas ricas da costa chilena: a alma dos Mapuches.

Era um poeta-soldado, que conseguia enxergar além da ponta ensanguentada de sua lança, que se chamava Alonso de Ercilla y Zúniga e escreveu a primeira poesia épica americana chamada La Araucana. No livro Dom Quixote de La Mancha, Cervantes escreve que La Araucana era, então, uma das maiores poesias em verso heroico castelhano. 

Identificado como um soldado, Alonso Ercilla era na verdade de descendência fidalga, sendo seu pai um jurisconsulto e o avô um senhor feudal. A mãe pertencia à nobreza e era dama de companhia da rainha. Além de uma grande aprendizado formal, Ercilla viajou por toda a Europa e pelas possessões espanholas. Acompanhou o príncipe Espanhol quando este foi a Bruxelas tomar conta do ducado de Brabante. Estava em Londres acompanhante o príncipe Felipe quando este foi casar-se com a herdeira inglesa e ali se tomou conhecimento da resistência dos Mapuches em Arauco. Foi então que o poeta embarcou para o Chile. Tinha, na ocasião, 21 anos de idade.

Alonso participou de sete batalhas com os Mapuches e, inclusive, participou da conquista do estreito de Magalhães. Junto a dez soldados atravessou o arquipélago de Aneudbox numa pequena barcaça e entrou de terra adentro onde numa árvore escreveu esta quadra:

Aqui chegou, onde outro não há chegado,
Don Alonso de Ercilla, que o primeiro
Em um pequeno barco deslastrado,
Com apenas dez, passou o desaguadeiro,
No ano cinquenta e oito entrado,
Sobre mil quinhentos por Fevereiro,
Às duas da tarde, ao fim do dia,
Retornando ao encontro da companhia.

E eis um trecho do espírito Mapuche nos versos de Alonso:

Chile, fértil província e assinalada
na região Antártica famosa,
de remotas nações respeitada
por forte, principal e poderosa
a gente que produz é tão granada,
tão soberba, galharda e belicosa
que não há sido por rei jamais regida,
nem à estrangeiro domínio submetida. 

A "omissão" do poeta - José Nilton Mariano Saraiva



Segundo Caetano Veloso, um dos nossos grandes poeta/compositores, “a praça Castro Alves é do povo, como o céu do avião”. Pecou por omissão, o distinto, ao deixar de incluir em seu verso (talvez porque não desse rima) que a “praia” também o é.
Fato é que, em sendo um espaço dos mais requisitados, a “beira-mar” se nos apresenta como aquele ambiente eminentemente democrático, onde convivem pacificamente pessoas de todas as tribos, raças e credos, independentemente das idiossincrasias.
Pois não é que, aqui em Fortaleza, o recém-empossado prefeito da cidade, embora fã incondicional do Caetano Veloso partiu pra radicalização ao proibir terminantemente que determinados grupos de pessoas que se exercitavam nas diversas praias da cidade continuassem a fazê-lo. 
Segundo um dos seus assessores, S. Excia., embora médico e, conseqüentemente, sabedor dos benefícios da atividade física para o ser humano, teria chegado a sugerir que estaria em curso uma tal “ocupação” e privatização progressiva do espaço público, o que representaria um perigo iminente.
E agora, José ???

Por José Carlos Brandão


ENIGMA

A memória teima
por desvendar esse
existir repleto
de espinhos secretos

ferindo a consciência
de dores silentes
que nem poesia
nem matéria fria

desvenda mais que
o trivial e
o já sabido antes

no primeiro instante
quando foi feita a treva
com a luz desta gleba.

(1972)
Procuro poesia nos quatro cantos da casa.Ela ,intimidada, fica na grama do jardim pastorando passarinhos.Preciso das rosas...- já tenho o cheiro de mato.
Junho, sem dúvidas, é o mês mais gostoso do ano.Ar-condicionado que só depende da luz das estrelas.
Estou morando num pedaço do céu - meu céu é modesto!
Meu coração está encharcado de águas salgadas, mas sinto no ar, o cheiro doce das frutas do Lameiro.
Um dia luminoso e de muita paz para todos!