por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 7 de maio de 2013

As tias High-Tech e o continente afundado - José do Vale Pinheiro Feitosa


Chico Véi estava com o pé no último degrau que dá acesso à varanda da casa, aproveitando para apagar a ponta do lasca-peito e em seguida guardá-la na cova da orelha até as próximas baforadas. E foi aí que de sua calma franciscana saltou um bento de aflição: as galinhas vinham em desembestada fuga de dentro de casa. Não deu nem para chegar ao número dezesseis do bento e ele já renunciara à sua placidez. Os gritos de uma das tias high-tech havia despertado o cacarejo das bípedes penadas em debandada.

Chico Véi, nos mesmos degraus que subia, desceu e foi para seu “castelgandolfo” abrigar-se dos destemperos do mundo. Acocorou-se no terreiro de casa, acendeu a inhaca curtida do lasca-peito no acomodar-se dos poleiros ao entardecer. Agora volte com a câmara em disparada até a casa das tias high-tech onde tudo começara.

Tia Mundinha estava na cozinha bebendo um café com pão torrado no fogão à lenha, com a nata dourada de tanto assar, quando ouviu os gritos de tia Rosinha. Tia Maria arrancou os óculos do nariz, abandonou seu smartphone sobre a cadeira e saiu com passos apressados na direção do quarto em que tia Rosinha passeava nos sites da internet.

Tia Mundinha e tia Maria chegaram juntas à porta do quarto e encontraram tia Rosinha dizendo alto: viram? Viram aqui? Em dueto perfeito perguntaram: viram o quê mulher?

- O continente que afundou! Uma nova Atlântida!

- Afundou? – pergunta tia Mundinha.

- Onde! – completa tia Maria.

- No Rio Grande do Sul. O bicho tem mais de 1500 quilômetros e há montanhas tão altas quanto algumas montanhas dos Andes.

- Quando foi mulher que aconteceu esta desgraça toda? – curiosa tia Maria.

- No fim da pangéia.

- Da pangéia? – tia Mundinha exprimindo sua incompreensão da palavra.

- Quando as Américas se separaram da África este continente inteiro afundou bem aqui do nosso lado.
- Lá no Rio Grande do Sul? – tia Mundinha quis diminuir a importância.

- Isso é mais velho que a Serra do Araripe – tia Maria tentou puxar tia Rosinha para a contemporaneidade.

- Mulheres! Tomem juízo! – Tia Rosinha contextualizava o assunto – Nós temos um continente que afundou. Somos iguais aos gregos que ainda nos olham com aquele olhar de civilização. Agora ninguém segura mais o Brasil. Nós temos é dois continentes. Igual a um beliche. Um embaixo e outro em cima.

Mas retornando à presença de Chico Véi. O olhar dele deitava a esperança que este ano de seca logo chegasse a dezembro e o inverno viesse com todas as águas caídas do céu. E daí houvesse um continente de legumes.

2 comentários:

socorro moreira disse...

Eu não consigo ler os textos das tias, sem pensar na lucidez, inteligência, sabedoria e informações da nossa Dona Almina,,,
- A mulher mais incrível que conheço!

Stela disse...

Hoje eu fico com Chico Véi, pensando na riqueza dum continente de legumes...