Chico
Véi estava com o pé no último degrau que dá acesso à varanda da casa,
aproveitando para apagar a ponta do lasca-peito e em seguida guardá-la na cova
da orelha até as próximas baforadas. E foi aí que de sua calma franciscana
saltou um bento de aflição: as galinhas vinham em desembestada fuga de dentro
de casa. Não deu nem para chegar ao número dezesseis do bento e ele já
renunciara à sua placidez. Os gritos de uma das tias high-tech havia despertado
o cacarejo das bípedes penadas em debandada.
Chico
Véi, nos mesmos degraus que subia, desceu e foi para seu “castelgandolfo”
abrigar-se dos destemperos do mundo. Acocorou-se no terreiro de casa, acendeu a
inhaca curtida do lasca-peito no acomodar-se dos poleiros ao entardecer. Agora
volte com a câmara em disparada até a casa das tias high-tech onde tudo
começara.
Tia
Mundinha estava na cozinha bebendo um café com pão torrado no fogão à lenha,
com a nata dourada de tanto assar, quando ouviu os gritos de tia Rosinha. Tia
Maria arrancou os óculos do nariz, abandonou seu smartphone sobre a cadeira e
saiu com passos apressados na direção do quarto em que tia Rosinha passeava nos
sites da internet.
Tia
Mundinha e tia Maria chegaram juntas à porta do quarto e encontraram tia
Rosinha dizendo alto: viram? Viram aqui? Em dueto perfeito perguntaram: viram o
quê mulher?
-
O continente que afundou! Uma nova Atlântida!
-
Afundou? – pergunta tia Mundinha.
-
Onde! – completa tia Maria.
-
No Rio Grande do Sul. O bicho tem mais de 1500 quilômetros e há montanhas tão
altas quanto algumas montanhas dos Andes.
-
Quando foi mulher que aconteceu esta desgraça toda? – curiosa tia Maria.
-
No fim da pangéia.
-
Da pangéia? – tia Mundinha exprimindo sua incompreensão da palavra.
-
Quando as Américas se separaram da África este continente inteiro afundou bem
aqui do nosso lado.
-
Lá no Rio Grande do Sul? – tia Mundinha quis diminuir a importância.
-
Isso é mais velho que a Serra do Araripe – tia Maria tentou puxar tia Rosinha
para a contemporaneidade.
-
Mulheres! Tomem juízo! – Tia Rosinha contextualizava o assunto – Nós temos um
continente que afundou. Somos iguais aos gregos que ainda nos olham com aquele
olhar de civilização. Agora ninguém segura mais o Brasil. Nós temos é dois
continentes. Igual a um beliche. Um embaixo e outro em cima.
Mas
retornando à presença de Chico Véi. O olhar dele deitava a esperança que este
ano de seca logo chegasse a dezembro e o inverno viesse com todas as águas caídas
do céu. E daí houvesse um continente de legumes.
2 comentários:
Eu não consigo ler os textos das tias, sem pensar na lucidez, inteligência, sabedoria e informações da nossa Dona Almina,,,
- A mulher mais incrível que conheço!
Hoje eu fico com Chico Véi, pensando na riqueza dum continente de legumes...
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