PADRE FREDERICO NIERHOFF – por José Almino Pinheiro
No
dia 31 de outubro, há 37 anos, falecia o Padre Frederico Nierhoff, um dos
grandes homens que influenciaram a história recente do Crato. Por 20 anos, de
1948 a 1968, ficou à frente da paróquia São Vicente do Crato, onde conseguiu,
sem alardes, deixar profundas marcas de sua atuação, tema tão bem exposto nos
artigos de Armando Rafael.
Aqui
gostaria de tratar um pouco como era a minha convivência com o Padre. Fui
batizado por ele, fato que muito me marcou. Com o batismo entrei no mundo da fé,
tinha me livrado do limbo e do pecado original.
Por isso achava que ele era o responsável pela minha salvação. De mim
tinha gratidão, admiração e respeito, ao mesmo tempo que me dava o direito e a liberdade para fazer questionamentos que, de
outra forma, não teria coragem de fazer a meus pais ou mesmo aos meus
professores de religião. Na adolescência, época do catecismo tradicional, o que
sentia era medo, causado pelo ensinamento religioso sombrio, fundamentalista,
baseado no temor a Deus. Para qualquer deslize havia a constante ameaça de
acabar no inferno ou, na melhor hipótese, no purgatório. Tinha calafrios em
pensar no pecado mortal que, uma vez cometido, e sem confissão e
arrependimento, não tinha escapatória, era queimar no fogo eterno, O pecado
original tal qual aprendi, era o que já nascemos com ele, uma dívida herdada
das estripulias de Adão e Eva. Para mim não era fácil compreender esse fato,
não considerava justo pagar pelo mau comportamento de algum ascendente, afinal
o que eu tinha com isto? Para mim era uma contradição, e Deus é justo. Essas foram as primeiras dúvidas que
precisavam de esclarecimentos, as dúvidas seguintes eram para derreter o juízo:
os mistérios da fé, missa celebrada em latim, os Dogmas , a Santíssima
Trindade, fugiam ao meu entendimento. Não
tinha jeito, estava convencido que seria condenado, iria para o inferno.
O
Padre Frederico era da Congregação dos Missionários da Sagrada Família. Ordem fundada
na Holanda pelo Padre Frances Jean Berthier, em 1895, portanto moderna, já com
pouca influência do fundamentalismo medieval. A ordem é dedicada à proteção da Sagrada
Família e foi inspirada na frase de Jesus: “A messe é grande, mas poucos são os operários" (Mt
9,37).
A Ordem do padre Jean Berthier congregava as
“vocações perdidas” com o chamado do Papa Leão XIII para a urgente formação de
padres, a fim de enviá-los ao estrangeiro para a difusão da fé. Os padres
deveriam seguir já ordenados sacerdotes e prestados os devidos votos
obrigatórios de pobreza e castidade. No inicio do funcionamento da ordem,
principalmente na Alemanha, o entendimento das “vocações perdidas” significava
basicamente adultos com algum tipo de profissão dispostos a se tornarem padres
e partir para as missões. De forma que a Ordem Sagrada Família era composta por
padres “operários” nas mais diversas profissões: médicos, engenheiros,
carpinteiros, mecânicos, enfermeiros, técnicos em geral. O Padre Frederico, por
exemplo, era padeiro. Essa característica da ordem visava que os padres com
seus conhecimentos pudessem em suas missões, ajudar de alguma forma na
sobrevivência das populações para onde fossem mandados. E foi o que fizeram.
No Paraná na metade do século passado, por
exemplo, os Padres da Sagrada Família ajudaram na colonização do estado montando
serrarias e construindo casas. No Crato, além de montarem escolas, os padres se
aproximaram de todos os empreendedores em geral, como os donos de oficinas, carpinteiros,
padeiros, donos de fábricas de algodão, de doces, curtumes, serrarias, de
pisos, olarias, de rapadura, hospitais, e foram os responsáveis pela
introdução, no Cariri, da apicultura moderna, muitas vezes com ajuda
financeira, dinheiro enviado pelos católicos alemães. Qualquer empresário que necessitasse
de alguma orientação, logo aparecia um padre da Sagrada Família especialista no
assunto em questão para oferecer ajuda, tudo isso de graça e com a maior boa
vontade.
Era uma visão diferente do mundo, os fundamentos
do evangelho ensinados de forma prática sem imposição, sem dramas, sem temor a
Deus. Os ensinamentos de Jesus, como a caridade, o amor ao próximo, a solidariedade,
a tolerância e a sobrevivência, estavam ali praticados no dia a dia, e o mais
importante com alegria. De vez em quando dizia que ”Deus tinha mandado o Filho
para nos salvar e isso não podia ser feito com tristeza.” Nesse contexto a atuação
dos padres desagradava certos setores da sociedade caririense, principalmente
do Crato. Quem não se lembra da diferença entre os sermões dos padres seculares
e os da Igreja São Vicente? Muitas vezes
minhas dúvidas sobre religião eram explicadas com paciência e sotaque alemão,
na companhia de outros coroinhas durante as pequenas viagens em visita a
paroquianos, pelos sítios no jipe DKV do padre; além de ajudar na missa
tínhamos a tarefa de abrir cancelas. Lembro-me que não entendia o conceito da
Santíssima Trindade, achava que lá deveriam estar também São José e a Virgem Maria.
O Padre depois de pensar um pouco disse algo assim, “Zé, faz sentido, a
Santíssima Trindade é dos teólogos, essa sua família é a que todos nós
pertencemos.” Simples, sem ameaça de pecado nem de desrespeito. E com impaciência
soltou: “Agora pare de pensar nisso, é a sua vez de abrir a cancela.” De forma
que foi assim sem medo de pecar, que consegui aos poucos, não mais temer a Deus
e sim, tentar seguir Seus ensinamentos.
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