24 x 16, terceiro set, placar de 2 x 0, Brasil, “match point”.
Um único, mísero e
solitário pontinho separava a nossa seleção feminina de vôlei da sonhada final,
em mais um desses concorridos torneios oficiais internacionais, realizado
Adstrito e privilégio até então do “futebol masculino” (e tão bem retratado por Nelson Rodrigues em suas épicas crônicas, já que o “futebol feminino” ainda não começara sua escalada vitoriosa), o “COMPLEXO DE VIRA-LATA”” pintou no pedaço, materializou-se ali, naquele momento, tomou de conta das nossas “meninas do vôlei” e propiciou uma das mais lamentáveis, tristes e incompreensíveis derrotas já ocorrida em um jogo da modalidade.
É que, por mais paradoxal, contrariando a lógica e o bom senso, “nossas meninas”, visivelmente apavoradas “ante a perspectiva iminente da vitória” (estranho, não ?) e a consequente passagem para a final da competição, desequilibraram-se emocionalmente, tremeram nas bases (e expressavam isso através do choro incontido, em pleno jogo) e aí, saque a saque, ponto a ponto, minuto a minuto, segundo a segundo, foram cedendo, caindo, desmoronando sofregamente e em câmara lenta, ao desperdiçarem continuamente cada recepção ao saque adversário; até que o que parecia impossível se concretizou e literalmente emudeceu o mundo esportivo: Cuba 26, Brasil 24 (ou seja, foram jogados fora, sequencialmente e de forma esdrúxula, nada menos que oito oportunidades de se atingir o 25º ponto, fechando o set e determinando o “MATCH POINT”).
Uma tragédia sem tamanho, algo inédito, um desfecho constrangedor e inaceitável. Pois, a partir daí, nos sets seguintes, “nossas meninas” como que se eclipsaram, não mais viram a “cor da bola”, entregaram-se de vez e Cuba estabeleceu-se, tomou de conta do jogo, a partida foi ao “tie brack” e... pegamos o avião de volta pra casa. O desastre consumara-se. Irremediavelmente.
Pelo inusitado, pela circunstância atípica de como aconteceu, pela proximidade que tivemos de “detonar” as cubanas, nunca uma derrota doeu tanto, marcou com tanta profundidade (se bem que, à época, não era nenhuma “novidade”, já que os nossos “meninos(as) do vôlei” tremiam de véspera quando tinham que bater de frente com russos, americanos e cubanos).
Mas, como após o vendaval sempre vem um período de calmaria (assim como não há mal que dure para sempre), lambidas as feridas e cauterizadas as cicatrizes, o impacto do sofrido e humilhante baque acabou por funcionar como uma espécie de divisor d’aguas.
Assim, após uma necessária pausa pra absorção e reflexão do acontecido, cartas na mesa e mudança de postura através da alocação de novas verbas e maior apoio ao esporte, da preparação meticulosamente revista e ajustada, da entrega do comando técnico a reconhecidos estudiosos do assunto (inclusive psicólogos), do estímulo às jogadoras(es) a atuarem no exterior (onde adquiririam a necessária experiência), além do fundamental incremento do intercâmbio com os então melhores do mundo; foi dessa forma paulatina (por cerca de 10 a 15 anos, ou mais), que as coisas foram mudando, acontecendo, transfigurando-se, num aprendizado duro, penoso e paciente. E assim, atravessamos gerações.
Mas mudou tanto (da água pro vinho) e a lição foi tão competentemente digerida, que, hoje, num esporte por demais competitivo e praticado por atletas do mais alto nível técnico, as “meninas e meninos” do vôlei brasileiro são vistos “de baixo pra cima”, com reverência, com extremado respeito, com uma espécie de louvação a “deuses” dignos de admiração e reconhecimento (e até com inveja, por alguns) em razão da excelência do jogo praticado em quadras de todo o mundo.
Se antes tremíamos
quando nos defrontávamos com os grandalhões da Rússia, Cuba e Estados Unidos (e
não há porque humildemente reconhecer isso), hoje são eles que nos estudam, que
procuram novas estratégias na tentativa de nos barrar, que enveredam por novos
caminhos que possam obstar nossa sede insaciável de títulos (como se
quiséssemos “compensar” o longo interregno perdido lá atrás): assim, somos
repetidamente, ano a ano e já há um certo tempo, campeões olímpicos, campeões
da liga, campeões do mundo, campeões de tudo que é competição internacional. Definitivamente,
o Brasil chegou lá. E em dose dupla: nas
versões masculina e feminina.
Certamente que para que tal “revolução” acontecesse, uma das pilastras indutoras fundamentais foi a transmissão dos jogos ao vivo, pela televisão, devido ao seu “efeito pedagógico” multiplicador e imediato: o vôlei passou a ser praticado ou revigorado nas escolas e universidades, nas ruas e praças, nas cidades e no meio rural, na periferia e em lugares seletos; enfim, onde houvesse um espaço disponível para se instalar uma quadra de vôlei, esses espaços eram ocupados e freqüentados por uma multidão de jovens sonhadores, visionários, sedentos e ávidos em se tornarem igualmente um ídolo esportivo.
Os jogadores-heróis (detentores daquela condição que, lá atrás, Nelson Rodrigues cognominara com propriedade de “saúde de vaca premiada”, em razão da incrível força física demonstrada) foram devidamente orientados (e não se furtaram, engajando-se com satisfação) a participar dessa nova realidade, através de visitas às comunidades carentes, de pacientes incursões a hospitais onde jovens padeciam de alguma enfermidade grave e, principalmente, da transmissão de mensagens de estímulo aos mais jovens e carentes, orientando-os, incitando-os e estimulando-os a freqüentar a escola e à prática do esporte (qualquer esporte) e, consequentemente, abandonando as ruas e fugindo do perigo cada vez maior do contato com as drogas. Fato é que as bases foram lançadas e suas ancoras firmemente fincadas.
Isto posto, animadoras e viáveis são as perspectivas de que surjam novos Gibas, Leilas, Murilos, Natálias, Vissotos e Sheilas, nos mais diversos rincões do país, e o Brasil continue nesse estágio fulgurante (afinal, nunca é demais aprimorar) de potência mundial.
Em todos os esportes
e tendo plena consciência de que se foi difícil chegar lá, e o caminho para
alcançá-lo por demais extenuante e sofrido... muito mais difícil será manter-se
no topo.
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