por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 16 de outubro de 2011

MOAGEM - Marcos Barreto de Melo

Passado o mês de São João
Começava a inquietação
Porque a gente já sabia
Que muito em breve viria
A moagem no Caboclo

De manhã, muito cedinho
Encostava um caminhão
Era João de Anunciada
Anunciando a chegada
De um tempo de animação

Na Chevrolet meia dois
Uma carrada de menino
Uma caixa de brinquedo
Gaiola de passarinho
E o resto, ia depois

Entre curvas e ladeiras
Unha de gato e jurema
Lambendo a carroceria
Uma friagem na barriga
Fazia a nossa alegria

Numa madrugada fria
Aquele ronco sonoro
Do motorzão National
Fazia a gente acordar
Transbordando de euforia

Era o início da moagem
E quem é que não se lembra
Que não guardou na lembrança
O ronco desse motor
Embalando o nosso sono

No quarto da casa grande
Menino mijando em penico
Com pijama de flanela
Espera o leite mugido
No batente da janela

Encostado ao oitão
Um curral grande de vara
Onde a vaca “ouro branco”
Ruminando a noite inteira
Badalava o seu chocalho

Uma junta de boi gordo
Puxando um carro de boi
Pela estrada apitando
Mané Pedro carreando
Tudo isso, já se foi

Seu Zeca, cacheador
Zé Costa fazendo cerca
A pipoca de Olegário
Zé Carneiro com tomate
Sá Rosa lavando roupa

Compadre Chico no eito
Zé Nunes na bagaceira
Sá Nanô com catolé
Teresa Doida, sem tino
Fazendo medo a menino

No domingo ensolarado
Seu Geraldo na labuta
Meninada a passear
Visita Maria Luta
Medonha, sem se banhar

Menino chupando cana
Com o bucho sujo de lama
Montava cavalo de pau
Caçava de baladeira
Tomava banho de rio

Num palhiço queimado
Carcará fazendo a festa
Gavião peneirador
Procurando a sua caça
Encantando a meninada

Entre a casa e o engenho
A bagaceira era um tapete
O gado solto a pastar
Uma cana de alfenim
E a rapadura no bagaço

Numa noite enluarada
Gente grande a conversar
Menino brincando ao léu
Com Lúcia e Nina a cantar
“Olhando para o céu”

Hoje não tem mais engenho
Acabou-se a moagem
Foi-se a doçura da cana
Ficando em mim a lembrança
Desse tempo de criança

Ficou comigo também
A saudade, a imagem
Da mais doce alegria
Que hoje, o engenho do tempo
Vai moendo dia a dia



Marcos Barreto de Melo

Um comentário:

socorro moreira disse...

Sua poesia deixa um gostinho de "quero mais"!
Estávamos com saudades.

Abraços