O tempo passa rápido, mas deixa marcas profundas em nossa mente que, às vezes, sem esperarmos, afloram em nossas recordações.
Hoje, sinto uma saudade daquelas. Saudade de uma época que vivi e, agora vivo: o carnaval dos anos 50 e 60, em nossa cidade.
A ornamentação dos clubes era perfeita. Crato Tênis Clube, Clube Cariri, conhecido, como Clube da Rapadura, AABB, Bar Ideal, Bar Glória, Cairu, Alagoano, Restaurante Guanabara, Chico da Cascata eram os locais favoritos daqueles que procuravam dar vazão às alegrias que os problemas diários lhes roubam.
Zé Maia abria o cortejo momino. À frente, com fantasia de fazer inveja às escolas de samba do Sul, afoxé em ritmo quente, alegrava a todos que lotavam as calçadas do centro da cidade.
Carros, sem as famosas capotas, eram tripulados por Coló, Antônio Luís, Neném, Modesto, Aldemir, Vitorino, Wiron Silva, Felipe, Alcides Peixoto, Delci, Chevalier e muitos outros. Era a nata da nossa sociedade, envolta na alegria carnavalesca. As sacadas do Grande Hotel e seus terraços serviam de camarotes para comerciantes, profissionais liberais e penetras, como eu e minha turma. Tudo era festa. Tudo era alegria espontânea. Nos bares, o cheiro de cloretil impregnava o ar. No entanto, o cuidado com os olhos era grande. Falava-se que, se caísse nos olhos, poderia cegá-los. Confetes e serpentinas davam um colorido especial ao ambiente. Consumia-se cerveja, rum merino, montilla, uísque, gim, cana e cinzano.
A meninada disputava os invólucros das garrafas de cerveja, feitos de palha. Colocava-os, nas pernas.
O eterno REI MOMO, Valdir Silva, reinava nos clubes e desfiles, durante os três dias de carnaval. Sua presença irradiava respeito e admiração.
Nos anos 60 surgiram as Escolas de Samba organizadas, com destaque daquele, em cujas veias corre o sangue carnavalesco, o grande folião Vitorino.
Certa feita, em uma das noites de folia, no Clube Cariri, faltou energia. Escuro profundo. A orquestra, composta por Hildegard, Chiquinho da Bateria, Patápio, José Pinto e outros músicos, silenciou. De repente as luzes foram acesas. Imediatamente, o Cruner, Célio Silva, improvisou a seguinte marchinha:
Acenderam a luz,
Apagaram o lampião.
Quem acendeu
Foi a “Bicha do Bicão”.
Ela não é eletricista,
E nunca teve vocação.
Mas eu garanto,
Quem acendeu a luz
Foi a “Bicha do Bicão”.
Todos conheciam suas peripécias. Foi um sucesso total.
Clube da Rapadura! Hoje, demolido, mas tenho certeza que suas ruínas, ainda, estão impreguinadas do suor das garotas que ali dançavam e do cheiro doce das rapaduras vendidas no seu subsolo.
Este era o reinado de Valdir Silva, tendo ao lado o súdito mais fiel, Zé Maia. Era o Crato sem drogas onde todos se conheciam. A paz, o respeito e o amor andavam de braços dados.
Quem não dançou “Zé Pereira”? Quem não cantou “Mamãe eu quero”, “Tem nego bebo aí”, “Olha a cabeleireira do Zezé”? Quem não marejou os olhos, às primeiras horas da madrugada da quarta-feira, cantando “Tá chegando à hora...”, nos salões do Tênis?
Porém, nem tudo era folia para os cratenses nascidos e criados sob a sombra da cruz. Ninguém se esquecia de tomar cinzas, na Sé Catedral. Era o espírito de religiosidade que sempre existiu nos filhos da Padroeira, N.S. da Penha. Aquela cruz, feita em nossas testas, tínhamos certeza, apagava tudo de errado praticado nos dias de carnaval e, por outro lado, confirmava a nossa fé em Cristo.
GERALDO LEMOS
FEVEREIRO/2011
Um comentário:
gratificante ler no Azul Sonhado
a linda crônica de Geraldo... E haja saudade. aguenta coração!
Bastinha Job
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