Seu Luiz, a coisa não foi boa
no seu centenário. A acauã danou-se a cantar, em dezembro não fez
barra, nem choveu no mês de São José. Teve seca, os animais
morreram, muita gente se desesperou e foi embora. Marcolino vendeu os
bois e abandonou Cacimba Nova, carregando a sua dor. Essa é uma
história conhecida, mas que poderia ser pior. Hoje, bem ou mal, o
povo escapa. O risco é viciar o cidadão.
O sertão mudou muito. O campo
se esvaziou e as favelas cresceram. Quase não existe vaqueiro, é
moto pra todo o lado e o jumento caminha pra extinção. O coitado
foi esquecido e desprezado. Se não é atropelado nas estradas, é
exportado e vira bife na China. Nem parece que é nosso irmão.
Xanduzinha e o cabra da peste
estão cada vez mais raros. E tem um pessoal esquisito, no Ceará não
tinha disso não e a gente até se atrapalha. Uma parte da mocidade,
longe dos livros e da utopia, foi entorpecida pelas drogas. Perdeu o
grito de guerra e a vontade de mudar o mundo. Muito assalto e
violência, dinamite e metralhadora, é um retorno feroz do cangaço.
Mas, como você sabe, a vida
aqui só é ruim, quando não chove no chão. Quando eu fecho os
olhos e começo a sonhar que acordo com a passarada, o bom tempo está
de volta. Pássaro carão cantou, anum chorou também, o pessoal
preparando o roçado e plantando milho. Em junho, com ele maduro,
vinte espigas em cada pé, dá pro São João e pro São Pedro, a
festa do maior brilho. Uma fogueira queimando, olha pro céu meu amor
e vê como ele está lindo!
Vem a safra, pisa o milho e
peneira o xerém. Quem no tempo de menino nas fazendas do sertão não
gostava de espiar as caboclas no pilão? O riacho de água fresca, a
estrada e a lua branca, o orvalho beijando a flor... Vez por outra me
recordo de Rosinha, a linda flor do meu sertão pernambucano. É um
passado que não passa, faz doer e amarga que nem jiló.
Mas o algodão se acabou e o
perigo é o dinheiro que a gente toma emprestado. A vaquinha chocalha
que é do banco e o banco é das ratazanas e dos urubus de sempre. E
ano que vem tem eleição: Sérgio Cabral, Angorá, Michel Temer,
petrolão... Gabiru pra todo o lado, só Deus pra nos proteger,
difícil a situação.
Gonzaga, véio macho, Sá
Marica parteira vem tendo muito trabalho. É criança que não acaba
mais. As meninas enjoaram da boneca e apareceu o azulzinho. É melhor
do que ovo de codorna, só perde pra capim novo - balança, Sinhá!
Porém, foi grande a alegria
no seu centenário. Muita festa no dia de Santa Luzia, pisada até
quebrar a barra. Chambinho do Acordeon, xote, xaxado e baião. Foi
danado de bom e aquele sanfoneiro é a sua cara. Ninguém sabe
quando, mas qualquer dia eu chego aí. Cantarei com você, Zé
Marcolino e Jackson do Pandeiro. Agora, vou pro Crato, matar minha
saudade e, com a benção do Padre Cicero, tomar cerveja com o Dário.
Um abraço sertanejo e meu
aboio lacrimado.
(*) Dr. Demóstenes Ribeiro, médico cardiologista.
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