por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 8 de agosto de 2017

UM ABRAÇO NO GONZAGA - Dr, Demóstenes Ribeiro (*)


Seu Luiz, a coisa não foi boa no seu centenário. A acauã danou-se a cantar, em dezembro não fez barra, nem choveu no mês de São José. Teve seca, os animais morreram, muita gente se desesperou e foi embora. Marcolino vendeu os bois e abandonou Cacimba Nova, carregando a sua dor. Essa é uma história conhecida, mas que poderia ser pior. Hoje, bem ou mal, o povo escapa. O risco é viciar o cidadão.

O sertão mudou muito. O campo se esvaziou e as favelas cresceram. Quase não existe vaqueiro, é moto pra todo o lado e o jumento caminha pra extinção. O coitado foi esquecido e desprezado. Se não é atropelado nas estradas, é exportado e vira bife na China. Nem parece que é nosso irmão.

Xanduzinha e o cabra da peste estão cada vez mais raros. E tem um pessoal esquisito, no Ceará não tinha disso não e a gente até se atrapalha. Uma parte da mocidade, longe dos livros e da utopia, foi entorpecida pelas drogas. Perdeu o grito de guerra e a vontade de mudar o mundo. Muito assalto e violência, dinamite e metralhadora, é um retorno feroz do cangaço.

Mas, como você sabe, a vida aqui só é ruim, quando não chove no chão. Quando eu fecho os olhos e começo a sonhar que acordo com a passarada, o bom tempo está de volta. Pássaro carão cantou, anum chorou também, o pessoal preparando o roçado e plantando milho. Em junho, com ele maduro, vinte espigas em cada pé, dá pro São João e pro São Pedro, a festa do maior brilho. Uma fogueira queimando, olha pro céu meu amor e vê como ele está lindo!

Vem a safra, pisa o milho e peneira o xerém. Quem no tempo de menino nas fazendas do sertão não gostava de espiar as caboclas no pilão? O riacho de água fresca, a estrada e a lua branca, o orvalho beijando a flor... Vez por outra me recordo de Rosinha, a linda flor do meu sertão pernambucano. É um passado que não passa, faz doer e amarga que nem jiló.

Mas o algodão se acabou e o perigo é o dinheiro que a gente toma emprestado. A vaquinha chocalha que é do banco e o banco é das ratazanas e dos urubus de sempre. E ano que vem tem eleição: Sérgio Cabral, Angorá, Michel Temer, petrolão... Gabiru pra todo o lado, só Deus pra nos proteger, difícil a situação.

Gonzaga, véio macho, Sá Marica parteira vem tendo muito trabalho. É criança que não acaba mais. As meninas enjoaram da boneca e apareceu o azulzinho. É melhor do que ovo de codorna, só perde pra capim novo - balança, Sinhá!

Porém, foi grande a alegria no seu centenário. Muita festa no dia de Santa Luzia, pisada até quebrar a barra. Chambinho do Acordeon, xote, xaxado e baião. Foi danado de bom e aquele sanfoneiro é a sua cara. Ninguém sabe quando, mas qualquer dia eu chego aí. Cantarei com você, Zé Marcolino e Jackson do Pandeiro. Agora, vou pro Crato, matar minha saudade e, com a benção do Padre Cicero, tomar cerveja com o Dário.

Um abraço sertanejo e meu aboio lacrimado.


(*) Dr. Demóstenes Ribeiro, médico cardiologista.

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