Quando
Paul McCartney Esteve Aqui – Dr.
Demóstenes Ribeiro (Cardiologista)
Ao
saber do show do Paul McCartney em Fortaleza, Sindyjeine, minha mina
mais recente, não me deixou em paz. Ela iria de qualquer jeito,
pouco importava o preço do ingresso, e ficaria no melhor lugar –
eu que me virasse!
Aos
sessenta anos, tentei derrotar o destino e inutilmente argumentei que
ela merecia repouso pela gravidez avançada, que havia despesas
médicas inevitáveis e que tudo era extremamente caro. No entanto,
não sei o que fez, mas ela conseguiu com o meu patrão o pagamento
antecipado das minhas férias e do décimo-terceiro salário.
Daí
em diante, não sossegou mais. O tempo inteiro ouvia Beatles e Paul
McCartney, colocou um piercing no nariz, comprou um par de botas e
tatuou “Imagine” bem no final das costas. No dia do show,
pegamos um táxi e enfrentamos o desconforto da multidão. Por entre
bacanas barrigudos e madames deslumbradas, eu me dei por vencido e,
com a periguete cada vez mais louca, ingressei no camarote.
“Macca”
entrou no palco e eu vi um ser iluminado. Ele logo incorporou o
garoto do Cavern Club e, na explosão de luz e som que se seguiu,
deixou a multidão extasiada. Quando tocou “Get Back,”
a gata botou boneco, vibrou como nunca e se endiabrou numa dança
diferente, saltitando que só uma guariba.
Paul,
visivelmente saudoso, não esqueceu os companheiros que se foram. Ao
violão, em “Here Today,” homenageou John Lennon; para
George, tocando o que parecia um cavaquinho, deu uma volta por
“Something” e quando a banda entrou com o inesquecível
solo de guitarra, eu me comovi e fui às lágrimas; e foi emocionante
quando ele se ergueu numa plataforma e cantou “Blackbird,”
aquele protesto sutil contra a discriminação racial.
Quando
rolou “All my loving,” não segurei a nostalgia, beijei de
novo a garota e voltei a um tempo distante quando “Os Águias de
Barbalha” começavam e encerravam o baile ao som de “From
me to you.” Sindyjeine não se cansava e se empolgou como
nunca com o refrão de “Hey Jude.” Passava a mão na
barriga e disse que essa canção iria embalar “Maquinha,” -
o irmãozinho de Jimmy - que chegaria em breve.
Depois
de tanto agito, na volta pra casa, terminamos num hospital. Ela
entrou em trabalho de parto e a criança nasceu prematura. O bebê é
uma menina. Achei muito esquisito, pois a neném tem o olho puxado,
Sindyjeine é um tipo bem cearense e eu não conheço nenhum parente
oriental. Ela acha que foi o efeito do uísque, das bolinhas, do
baseado antes do show ou presepada de alguma entidade.
A
danadinha se chamará Yoko, mas ainda estou completamente
atordoado. Prevendo zombaria, recorri a minha mãe. Quem sabe, ela
soubesse de algum familiar distante no Japão e, assim, eu ficaria
sossegado. Mas a velha negou essa possibilidade. Afagou a minha
testa, sorriu de leve e disse compassivamente: meu filho, crie juízo
e nunca mais se meta com menina nova!
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