Colunista português: o Brasil disse ao mundo para não ser levado a sério
Quem
ainda não fez ideia do desastre que foi para o Brasil no mundo o
espetáculo golpista de domingo passado deve ler o artigo
do colunista do jornal Expresso, de Lisboa, Miguel
Souza Tavares:
Não
sei se os brasileiros terão a noção do que as oito horas de
votação na Câmara de Deputados para destituir Dilma Rousseff
tiveram de demolidor para a imagem do Brasil no mundo. Entre os povos
livres e civilizados, a ideia que passou é que o Brasil é mesmo um
país do Terceiro Mundo, onde a democracia é uma farsa e a classe
política um grupo de malfeitores de onde está ausente qualquer
vestígio de serviço público. Entre os países do verdadeiro
Terceiro Mundo, alguns dos quais bastante mais bem governados do que
o Brasil, a ideia do país como potencial líder do grupo dos
emergentes caiu por terra com estrondo: perante aquele indecoroso
espectáculo transmitido em directo para o país e para o mundo, as
hipóteses de o Brasil alcançar o ambicionado lugar de membro
permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas só podem
ter sido seriamente comprometidas.
Não
está em causa saber se Dilma governa mal ou bem: governa mal e devia
sair pelo seu pé. Não está em causa se o PT esgotou o seu tempo e
devia dar hipótese de nascença a um novo ciclo político: sim,
devia, e Lula — a quem o Brasil tanto ficou a dever — faria bem
melhor em remeter-se às palestras e nada mais. Já não está em
causa sequer saber se há fundamento jurídico e constitucional para
a demissão da Presidente: não há, o processo é puramente político
e, nesse sentido, o impeachment é, de facto, um golpe, levado a cabo
pelos derrotados das presidenciais. Mas em democracia os governos são
julgados em eleições e ninguém tem culpa de que na absurda
Constituição Brasileira, que tenta a fusão impossível entre o
presidencialismo à americana e o governo à europeia, não existam
as figuras da moção de censura ou de eleições antecipadas (uma
lacuna que deriva directamente do igualmente absurdo sistema político
que faz com que o Presidente e chefe de Governo nunca tenha maioria
num Congresso onde convivem 26 partidos, mais uma série de
fidelidades regionais e sectoriais). Com o pretexto arregimentado
para destituir Dilma — as tais “pedaladas fiscais” — qualquer
governo de qualquer democracia poderia ser substituído a qualquer
momento, sem grande esforço. Mas exigia-se, pelo menos, que o
processo de destituição da Presidente do Brasil tivesse um mínimo
de dignidade e de seriedade que o gesto impunha. Mas não foi isso o
que sucedeu e o que está a suceder: os chefes do “golpe”, todos
a contas com a Justiça, são gente que de todo se recomenda; os seus
apaniguados são tipos que não se convidam para jantar em casa; o
partido que comanda o golpe e mais espera dele vir a beneficiar, o
PMDB, é o exemplo acabado de tudo aquilo que a política não
deveria ser; e o espectáculo protagonizado pelos deputados
ultrapassou tudo o que a simples decência devia permitir. A mensagem
que o Brasil passou ao mundo é esta: “Não nos levem a sério”.
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