Solenemente, o velho sentou no banco da praça,
fechou os olhos e reviveu a época breve em que morou no Crato. Naquele
tempo, aos quatorze anos, he’s leaving home.
O primeiro a deixar o ninho, ele jamais esqueceria o choro da mãe e
a esperança do pai e teria uma vida inteira a disfarçar certa
tristeza e solidão.
Aliás, era um domingo, havia muita gente na
Siqueira Campos ou tomando sorvete no Bantim. O Cine Moderno exibia “A
Noviça Rebelde,” mas ele preferiu o Cassino e “O
Professor Aloprado” – nessa noite, Jerry Lewis seria
melhor pro coração.
Quando voltou à pensão, as horas passaram
devagar, lágrimas no travesseiro e o tic-tac na parede madrugada
afora. De manhã, o Diocesano. Haveria que ser forte e organizado
nessa luta desigual. E nos fins-de-semana, de ônibus ou de trem, ia
e voltava de casa. No jogo de botão, Fechine, saudoso amigo, sempre
ganhava, mas ele reforçaria o time, treinaria mais e da próxima vez
venceria o campeonato.
O choro da mãe e a certeza do pai... O trem
chegando, a cidade quase deserta, o silêncio da noite, o medo
invadindo tudo e ele andando rápido: Praça da Estação, Rua da
Vala, João Pessoa, Miguel Limaverde, entrava na pensão e adormecia
amando loucamente a namoradinha de um amigo seu. Amanhã, aulas de
novo, a vida seguindo o próprio rumo, the long
and winding road se fazendo devagar. Recife era uma miragem e
precisava estudar cada vez mais.
Nem telefone, nem TV, nem internet, mas a pensão
era uma festa. A Araripe e a Educadora tocavam Jovem Guarda, “Aline”
e “Os Verdes Campos do Meu Lar.” No
final da tarde, uma volta na livraria. Pelos jornais do Rio, dois
dias atrasados, Lacerda, Jango e Juscelino iriam formar a “Frente
Ampla” e derrubar a ditadura. Outras tardes, na Escola Triunfo,
aulas de datilografia com a Dona Soledade. A mãe achava importante,
o Banco do Brasil era uma opção e ele guardou o diploma, não se
sabia o que futuro iria aprontar.
E, sem nenhum rancor, lembrou-se da adolescente
do Santa Teresa que acintosamente o ignorava. Ele era desajeitado e
feio, até lhe faltava um incisivo, mas por que a humilhação? Onde
estavam os pais e a Madre Feitosa que não deram educação a essa
menina? Deixou pra lá... Aproximava-se a festa da padroeira e as
suas colegas aparentemente o respeitavam. Houve um ensaio de jogral
na Praça da Sé e elas cantaram “A Banda.”
Pela primeira vez ele ouviu falar em Chico Buarque e tornou-se mais
um admirador fanático desse gênio brasileiro incomparável.
E aí, veio a Miss Ceará, exuberante,
desfilando de maiô no Tênis Clube, sob a música envolvente do Hildegardo. Ela sorriu,
sentou no seu colo e sussurrou que o chalé do Granjeiro já estava
acertado. Mas, um maldito “paredão de som” logo lhe acordou,
disparando Ivete Sangalo. Alucinado, se deu conta de que estava só,
saltou do banco, abriu os braços e explodiu furioso num gritou
revoltado: só no Crato.
(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (médico
cardiologista, natural de Missão Velha, e apaixonado pelo Crato,
atualmente reside e exerce o ofício em Fortaleza)
Nenhum comentário:
Postar um comentário