J. Flávio Vieira
Dinda Bilé foi levado pela família ao psiquiatra esta semana.
Contumaz hóspede do Hospital Santa Tereza , ele tivera alta há menos uns quinze
dias. Com lua nova, Dinda costumava tresvariar , botava pra conversar “arizias”
e respondia a vozes que só ele ouvia. Saíra do nosocômio bem melhorado, com
discurso linheiro que só prumo de pedreiro. Depois da Expocrato, no
entanto, passou a palestrar, em
solilóquio, num idioma esdrúxulo e pouco incompreensível, repetindo,
de quando em vez, o mesmo bordão:
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Num entendo, num entendo...
Os
familiares de Dinda, já acostumados com seus surtos, embora esse parecesse bem
diferente, resolveram encaminhá-lo de
volta ao psiquiatra, temendo uma crise
mais grave. Bem mais tranquilo que das outras vezes, Bilé deixou-se levar ao
consultório do nosso Freud tupiniquim. Cabelo meio arrepiado como se
pressentisse alma penada, olhos inquisidores e vagos, perambulando de um lado
para outro como se esperasse um disco voador. Sentou-se na poltrona , defronte ao
médico, fitou-o meio desolado e sussurrou:
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Não entendo, não entendo...
Dr.
Godofredo Veronaldo já o conhecia de
outros aluamentos. Tinha conversado um pouco com a família, lá fora, sobre os
novos sintomas de Bilé. Achou esquisita a postura mais calma do paciente, das
outras vezes viera em crise maníaca e com muita agitação e surtos de
agressividade. Aproximou-se de Dinda e quis saber o que ele não entendia:
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Dinda, tudo bem ? O que é que você tá com dificuldade de entender, rapaz ?
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A Expocrato ,doutor... Todo ano é a
mesma coisa... depois que acaba, aumentam as moscas e diminuem as moças... Não
entendo, não entendo...
Dr.
Veronaldo sorriu ante a apreciação do lunático e cutucou mais o velho Dinda.
Que mais parecia tão incompreensível?
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E a rua num é pública, doutor ? Eu pensava que eu também era proprietário dela.
Pois , na Expocrato, apareceram os donos . Parece que entraram com usucapião.
Estavam cobrando vinte reais o estacionamento naquela rua que eu pensava que era nossa. Num entendo... num entendo...
O
psiquiatra começou a gostar da conversa meio sussurrante de Dinda e tentou
decifrar seus outros enigmas.
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Num entendo, num entendo... A Expocrato é pública feita com dinheiro privado ou
é privada e feita com dinheiro público ?
Pronde vão as sobras ? Num entendo... num entendo...
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Na Expocrato os burros são os que ficam nas baias ou aqueles que pagam
ingressos caríssimos para assistir aos shows de péssima qualidade ? Num
entendo, não entendo...
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Estudante foi espancado e roubado num show da Expocrato pelos seguranças . Quem
roubava e batia antigamente num era o
bandido? E agora é o segurança ? Socorro, chame o ladrão ! Num entendo, num entendo...
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Fui assaltado três vezes na Expocrato em
um só dia, continuou Dinda. Me roubaram trinta reais no estacionamento, depois
na barraca me afanaram mais dez reais quando pedi uma cerveja e um garçon me
surrupiou cem reais quando inventei de pedir uma carne de sol numa telha.
Pensei que era telha de amianto ! Devo fazer um BO, seu doutor ? Num entendo...
Num entendo...
Dr.
Godofredo, surpreso, parabenizou Dinda:
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Rapaz, você tá melhor do que nós ! E tu
num dizia que era doido , Bilé !?
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Doido eu sou, Dr. Godofredo, agora eu num sou é burro, viu ?
Dr.
Godofredo chamou a família e deu o diagnóstico. Ficassem
tranquilos:
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O homem tá com mais juízo que nós todos juntos ! Os doidos, amigos, tão tudo solto na rua ,
organizando eventos, participando das administrações e se passando por sadios.
O mundo tá todo às avessas: os lunáticos soltos e os equilibrados internos aqui neste hospital !
Por que ? Num entendo, num entendo...
Crato, 23/07/15
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