É necessário reconsiderar algumas questões
resultantes das manifestações populares de rua. Uma dessas questões é a
violência latente, presente e expressa nessas manifestações. Outra questão é o
próprio futuro das manifestações: continuar como manifestação, esgotar-se ou
transformar-se.
Quanto à violência convém colocá-la em um
contexto mais amplo. Pois, a violência, contrariando o sonho idílico dos que
querem ver o brasileiro como um povo pacífico, já existia antes das
manifestações e se encontra em um processo de crescimento e de expansão por
todo o Brasil.
O tráfico e o consumo de drogas produzem,
diariamente, cenas de violência (assaltos, espancamentos, assassinatos), que
são divulgadas profusamente pelos meios de comunicação.
A violência do trânsito mata tanto quanto as
guerrinhas entre países que andam por aí. Há a violência contra as mulheres,
contra os idosos e crianças, contra os homossexuais e os negros (e até contra
os nordestinos). Mutilações e mortes, sequestros, sequestro-relâmpago,
estupros, explosão de caixas eletrônicos –a lista de violências parece
interminável.
Mas, há também a violência do Estado, que se
manifesta, por exemplo, nas balas-perdidas e balas-encontradas que
matam cidadãos –velhos, adultos, jovens e crianças. O Estado age com violência
nos processos de reintegração de posse e, mais recentemente, nas
manifestações populares de rua. No passado também era assim.
Também há quem diga, às vezes, como um mero slogan,
uma bandeira de luta ou uma figura de retórica, que a violência maior do Estado
é manter a maior parte da população na pobreza e na miséria. De certo modo,
essa violência histórica do Estado é, como diriam alguns, a mãe de todas as
violências.
Embora se verifiquem ações violentas de massa e
individuais em países sem pobreza e sem miséria (dir-se-ia que estes são
elementos intrínsecos da sociedade capitalista), isso não chega a ser muito
comum. Assim, acredita-se que uma população informada, assistida e respeitada,
com saúde, educação, trabalho e segurança seria uma população pacífica e
ordeira. Não há consenso sobre isso. Os assassinatos em série nos Estados
Unidos da América e até na Europa (Noruega), as cenas de intolerância racial,
sexual etc. desmentiriam aquele enunciado.
Mas isso não explica tudo ou não explica nada.
Nada justifica a violência, nem do Estado contra as pessoas, nem das pessoas,
nas manifestações populares de rua, contra a polícia e contra as propriedades.
O Brasil é um Estado democrático e de direito. As
leis garantem aos cidadãos direitos de livre expressão e de manifestação, e o
direito de ir e vir. Cabe ao Estado garantir a integridade das pessoas e das
propriedades.
Aí alguém poderia dizer: -A lei só protege os
grandes. Os pobres e os miseráveis são, sempre, os desprotegidos da lei. Neste
caso, a solução é mudar as leis, aperfeiçoá-las; e mudar os políticos,
escolhê-los melhor.
Isto nos remete à outra questão colocada no
início dessas anotações: qual o futuro das manifestações populares de rua?
O Partido dos Trabalhadores teve sua origem,
também, nas grandes manifestações de trabalhadores, no sindicalismo e em outros
movimentos sociais. Quando participei de sua fundação, em Natal, havia o dilema
entre adotar a via parlamentar ou seguir o caminho revolucionário. Muitos dos
militantes que defendiam esse caminho saíram do Partido dos Trabalhadores e
hoje integram partidos como o PCO, PSTU e PSOL…
Coube ao Partido dos Trabalhadores, a partir de
2002, inverter as prioridades nacionais para realizar uma agenda, que ataca a
pobreza e a miséria (seculares), garantindo dignidade e cidadania para milhões
de brasileiros.
Mas, hoje as manifestações populares de rua
repudiam os partidos, os políticos e até a própria Política. Essas pessoas não
se sentem representadas pelo Congresso Nacional, desconfiam dos Tribunais e
temem a polícia. Então como encaminhar e realizar suas reivindicações –as
transformações que almejam para o Brasil?
Parece pertinente, portanto, evocar, aqui, aquele
antigo dilema entre a via parlamentar e o caminho revolucionário.
Os grupos que organizam as manifestações e as
pessoas que fazem parte delas tenderiam a se institucionalizar, sob alguma
forma de entidade ou até mesmo de partido político?
Ou permaneceriam convocando e realizando
manifestações para divulgar suas reivindicações? Esta opção corre o risco de se
esgotar com o tempo, por falta de organicidade e de objetivos claros.
Porém, se alcançar organicidade e conseguir
definir com clareza os seus objetivos, poderia acenar com a perspectiva,
digamos, revolucionária. Neste caso, prefiro acreditar que o conteúdo da
palavra REVOLUCIONÁRIA explodiria em alguma forma, ainda não realizada, de
democracia, onde a política, como o amor, diria respeito e seria praticada por
todos os cidadãos.
Sei que as utopias desse tipo ou desapareceram ou
andam escassas. Entretanto, um modo de tornar realizável a utopia de uma
democracia radical, hoje reivindicada nas ruas, é defender e aperfeiçoar a
temos.
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