por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Los Perros y el Poeta - José do Vale Pinheiro Feitosa

As longas ruas de Santiago assim as são pelo comprido vale que se estica entre os Andes e a Cordilheira do Mar. E por todas as alongadas ruas os cães vivem soltos, especialmente no centro formigueiro de gente. Ainda não em matilhas, mas em grupos ou solitários.

A sociedade protetora dos animais manifesta sua vontade política de não retirá-los das ruas, os donos de bancas e camelôs os alimentam e assim cães que viram latas, mas vira-latas não são pelos padrões das pobres ruas brasileiras, ocupam um território. Atravessam as longas e movimentadas avenidas da capital ao ritmo das pessoas, pelos sinais, sem compreenderem as cores, mas seguindo a procissão humana em obediência ao verde sinalizado.

Do corpo congelado dos latifúndios conservados e dos feitores da mineração do cobre surgiu uma elite ígnea e por isso mesmo acobertou-lhe uma grossa camada oxidada. Dessa ferrugem em camadas como uma massa folheada, vieram os bastardos do latifúndio e das susseranias, as sobras lanhadas dos feitores rurais, as escolas de fazer guerra aos apelos das novas camadas populares em busca de participação nas riquezas.

Estos perros se convirtieron em matilha. Assaltaram o poder popular, bombardearam a sede do poder democraticamente eleito. Aprisionaram, torturaram e mataram os cantores, os artistas, os líderes, os estudantes, os operários, los obreros como Manoel de Amanda.

Levaram a todos para o Estadio Nacional e ali começaram a seleção de assassinatos, de soltar os cães agressivos, os chutes na barriga das mulheres grávidas. Um oficial louco de ódio trucidou o compositor e cantor Victor Jara. O canil fora alimentado na medida, nem muito e nem pouco, mas com a ameça da escassez pelo governo imperial dos Estados Unidos da América em Saque. A matilha dos cães do Chile orquestradas pela chibata de comando de Augusto José Ramón Pinochet Ugarte.

Os franceses têm muitos créditos com a civilização ocidental. Mas um débito tremendo com os direitos humanos, com a dignidade e a paz dos povos em razão do seu pervertido espírito colonial. Não muito diferente dos outros países colonialistas da Europa, mas esmerados em técnicas de fazer sofrer os oprimidos. A sua prolongada guerra colonial na Argélia gerou o pior dos soldados, aquele pervertido em torturas e destruição da humanidade e das pessoas. Era, Augusto Pinochet, filho de um militar de origem francesa.

Los perros atacaram La Chascona, a residência do poeta Pablo Neruda e de Matilde, que fica ao pé do Cerro San Cristóbal no bairro popular de Bela Vista. Cercaram o bairro com armas e veículos de guerras. Os soldados tomaram as ruas, entraram na casa do poeta, saquearam os livros e os queimaram em las calles próximas. A nuvem negra do sacro espírito das fogueiras inquisitoriais. O ódio ao poeta. Aos comunistas. Ao povo que havia eleito Salvador Allende.

O golpe de los perros aconteceu no dia 11 de novembro de 1973 e no dia 23, doze dias passados, morreu Neruda. Membros das embaixadas, especialmente da embaixada da Suécia se deslocaram em solidariedade a Matilde que cercada por los perros, velava o corpo do poeta. La Chascona estava cercada por baionetas caladas. E Matilde resolveu que iria levar o corpo de Neruda pelas ruas até ao cemitério sobre enorme risco pela saliva de ódios da direita chilena que cercava o poeta.

No dia marcado Matilde não ficou só. O embaixador da Suécia, Harald Edlestam que salvou muitos exilados brasileiros e que é tema de um recente filme sueco, entrou no meio do cortejo em franco desafio às balas dos golpistas. E vieram outros membros de outras embaixadas e los perros não tinham como atacar este pessoal, mas acompanharam o féretro com passadas de fel espelhado pelas ruas de Santiago. Para surpresa da história, anônimos foram surgindo não se sabe de onde e silenciosamente engrossaram o cortejo que honrava o poeta maior do Chile.


Um desafio ao ódio. À morte. Ao assassinato e à tortura. O poeta não saiu vencedor da morte física, mas a humanidade dos chilenos foi salva neste gesto. Incluso los perros no pueden esquercer de ella.  

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