O turismo é um enredo
da fantasia. Viaja-se em terras nunca dantes navegadas em nossos sonhos.
Visitam-se paisagens, ruas e povos que continuam a ser estas categorias mas,
como num ritual mágico, se elevam em significados. Os significados mágicos que
já na encontramos nos nossos espaços sedentários.
Estrato da navegação,
das grandes estradas, da conquista do ar, qual seja os meios que aceleraram o
corpo humano a romper léguas de distâncias, a viagem se tornou ao mesmo tempo o
grande adeus e a grande recepção. Por isso a viagem se tornou a mais relevante
expressão da mudança. Da transformação. Quem sabe até da revolução.
E foi aí que num mundo
mercantil a viagem se tornou objeto de venda. Até mesmo as chamadas viagens ao
coração da natureza, ao âmago da fé religiosa, ao encontro da família e dos
amigos, ao gosto da aventura e do conhecer o desconhecido, se tornaram
oportunidade de negócio.
E desse modo aldeias de
pescadores como Jeriquaquara se tornaram objeto do desejo de milhares de
viajantes vindos do hemisfério norte, da outra banda do mundo e, claro, do sul
do hemisfério sul. Tomando como referência paulistanos no amplo espaço a se
deslocar com seus corpos independentes dos brutais engarrafamentos.
O remoto, o
inacessível, o mítico e o sagrado foram desnudados, desmistificados num
processo de "remistificação" lucrativa que move o negócio e viajam as pessoas.
Tem de tudo para todos os estilos. Desde aqueles deslumbrados pelo consumo e
pela afetação de expor-se no consumo fugaz do luxo, até aqueles tímidos das
moedas contadas, numa despesa que parece um bolso furado e um aporte que parece
as marquises daqueles sem teto.
E pelas gargantas que
dão passagem às montanhas. Acima das nuvens furadas pelos pícos nevados dos
Andes. O romper do manto de névoa e abrir-se sobre uma paisagem ondulada na
encosta das grandes e escarpadas elevações. Paisagem sobre a qual um tapete
lindamente verde associa o viajante com a única paisagem referente: as
pastagens alpinas da Suíça, Alemanha e Áustria.
Os lagos com nomes de
raízes nativas. Assim como o fabuloso Llanquihue em cujas margens os migrantes
alemães do século XIX deixaram ali uma cultura, uma economia e uma elite rica
que regra a vida de todos. O mais impressionante do Llanquihue é sua paisagem de
campos, montanhas e o fabuloso Vulcão Osorno com seu topo nevado. O vulcão se
posta no horizonte das margens do lago assim como o Monte Fuji dá alma à
paisagem e à fotografia japonesa.
Em Frutillar uma cidade
da colônia Alemã a mais reveladora geografia social da sociedade desigual: a
parte alta onde vivem os operários e a pequena classe média e a parte baixa, à
beira do lago onde vivem não muito mais do que três mil pessoas, em ruas de
cinema, jardins alpinos, casas alemãs, lojas e restaurantes e bares para
turistas.
Na pequena cidade um
dos melhores teatros que se vê até mesmo em grandes cidades. Todo construído
com revestimento externo de tábuas de madeira em diversas cores. O teatro tem
biblioteca, loja de vendas, salas para cursos, salas para apresentações mais
restritas e o grande salão. Nele acontece um festival de música no verão sul
americano comparável à qualidade do melhor do hemisfério norte.
A jóia do turismo dos
lagos é sua travessia entre Puerto Varas e San Carlos de Bariloche na Argentina
(conhecida pelos brasileiros apenas como Bariloche. Nos meses frios,
especialmente julho tem tanto brasileiro que se brinca como se fosse o nome da
cidade Brasiloche). O percurso chileno começa em ônibus, à margem do Lago
Llanquihue, entra no Parque Vicente Perez Rosales (de preservação), visitam-se
corredeiras de um rio e a seguir vai a Petrohue num porto do lago Todos os
Santos (com as águas num belíssimo verde esmeralda) e o atravessa por quase
duas horas.
No outro lado do lago,
numa estreita faixa de terra plana embaixo das alturas dos Andes, fica Peulla e
seu hotel para criar fantasia em turista. Mas uma fantasia de frio, de lago, de
picos nevados e se houver uma lua cheia, de montanhas prateadas a cercar o
território do visitante. A luz elétrica gera-se numa turbina de quedas d´água e
só existem estradas estreitas a ligar as poucas casas. Não moram muito mais do
que cem pessoas. Os funcionários do hotel trabalham num regime de embarcado em
plataforma de petróleo: muitos dias no local e alguns em suas casas distantes.
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