Cidade Brinquedo - marcha de Silvino Neto e Sílvio Bretas - cantada por Orlando Silva
Uma longa e especial caminhada: do Bairro Jardim Botânico
até a Rua Primeiro de Março no Centro da Cidade. Destino: Centro Cultural do
Banco do Brasil. Isso tudo passando pelos palácios da Rua São Clemente, a
claridade aguda da enseada de Botafogo e um dos mais lindos jardins botânicos
do mundo: o Aterro do Flamengo.
A exposição sobre o impressionismo do CCB nos foi impossível
após 13 quilômetros de jornada: fila com o mínimo de hora e meia de espera. Mas
ali mesmo por volta do CCB, um quadrado envolvendo as ruas do Mercado de um
extremo e dos Mercadores e Visconde de Itaboraí no outro e verticalmente as
ruas do Ouvidor, Rosário e a Travessa Tocantins o Rio é continuamente o Rio.
Claro com as novidades da época, mas são dezenas de bons e até sofisticados
restaurantes inclusive com conjuntos de chorinho para seus frequentadores. Não
sem razão terminamos numa Brasserie como foi central a cultura francesa na
primeira metade do século XX aqui na cidade.
Aí o relato geográfico termina e começo outro sentimental. Relato
esse vivido por quem nasceu e criou-se numa terra e depois se mudou para outra.
Ou seja, grande parte da população brasileira, especialmente da minha geração.
Quando chegamos à nova terra, trazemos todo aquele matulão de cores, sons,
gostos e paisagens que somos nós. Chegamos com os falares, os costumes,
roteiros e trilhas do viver do mundo original. De modo que tudo é novidade. O
Rio de Janeiro de cada esquina era novidade, desde compreender o que fosse um
condomínio para quem apenas em casa vivera até qualquer detalhe de sua
arquitetura. Isso sem contar a mais bela geografia de todas as cidades do mundo.
Hoje as ruas são entes conhecidos, transitados, estacionados
e usufruídos. Por uma razão especial trabalhei em toda a Rosa dos Ventos da
cidade. De modo que a cidade como um todo é um planisfério igualmente
transitado e equalizado na memória. Em outras palavras: poucas novidades. Mas
então a beleza dialética entre o sabido e aprendendo, entre o conhecido e a
novidade cessou? De certo modo aquilo que um dia foi novo, agora é cotidiano e
isso reduz o sentimento que tão bem se fotografou como um flash na saída do
túnel da Rua Alice e dali o Pão de Açúcar surgiu com um pedaço da Baia da
Guanabara abaixo de onde me encontrava.
Naquela ocasião, é bem verdade que estimulado por uns dois
copos de cerveja especialmente porque tomados numa birosca da Favela do
Escondidinho com o povão mais carioca que existe, eu comemorei comigo por morar
nesta cidade. A cidade que de algum modo fora a essência da realização urbana,
cultural e política do país e que todos tínhamos como desejo de ida. Depois é
que São Paulo tornou-se este atrativo em particular para os cearenses.
Como disse agora tudo é conhecido e aí tudo é reduzido em
sentimento e emoção? Em parte para quem é muito caseiro, circula em veículos
automotores, metrô ou trem é isso mesmo: um cotidiano acrescido de rotinas.
Porém quem estica nos bares, planta os pés nas areias da praia, samba, ouve chorinho
e frequenta praças, algo permanece de primavera. E agora sei de algo que os
pensadores, poetas, pintores entre outros que foram cultivadores do bucólico
nos séculos XVII e XIX em longas caminhadas rurais descobriram. Poetas como
Byron, Shelley, por exemplo, ou pensadores como Kant ou Nietzsche.
Quem também descobriu foi o nosso Humberto Teixeira em
conjunto com Luiz Gonzaga tal qual nos cantam na Estrada de Canindé: “vai
oiando coisa a grané, coisas qui, pra mode vê, o cristão tem que andá a pé.” É
isso aí: quando o físico recupera-se da preguiça do automóvel, tem força e
liberdade para andar nas ruas, estradas e trilhas o novo que se esconde no
velho se manifesta como não se imagina. É neste apanhar o mundo e sua vida a granel
que o sentimento de pertença ao lugar retorna sem o zinabre do tempo. Andar a
pé não é coisa pru matuto desentupir apenas as veias do coração. Andar nos
trajetos da vida passo-a-passo é desentupir as manifestações do grande
movimento do ser.
Estrada de Canindé - Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira - cantada por Luiz Gonzaga
Mas o assunto tem mais e paro aqui, pois a postagem já está
demasiada. Amanhã continuarei para quem conseguiu chegar nesta coisa a granel.
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