Certa vez, em plena
manhã de um final de ano, novembro ou dezembro, na brisa fria e suave do sopé
da Serra, lia Ilusões (As aventuras de um Messias indeciso), de
Richard Bach, quando fui surpreendido no peito por sentimento de abismo que invadiu
a alma do mesmo frio lá de fora daquela manhã; extático, entrou pelos
corredores do tórax qual visitante calmo e silencioso; e agora retorna para ser
lapidado nas palavras que nascem aqui comigo.
Mexeu, sim, por
dentro, e, descuidado, acionou qualquer botão, que abriu fenda descomunal de
solidão, espécie de lava gelada dos vulcões cósmicos, escorrendo medo intenso pelas
encostas da montanha do ser, extrato das ausências múltiplas, misto de todas as
presenças, eco de galáxias sem aparente final, porta de mergulhos individuais
distantes, longe, bem longe, fora das distâncias, nos subúrbios de nossa Via
Láctea. Esse tal silêncio de solenidade exótica falava nos meus ouvidos de outras
eras, outros planos, dimensões estapafúrdias. Confesso medo aterrador naquele
momento, vontade enorme de mais companhia, gentes aos milhares, sede das
multidões, das festas, zoada, movimento, quermesses animadas, pois a dor contundia
numa condição e velocidade incontidas, lâminas cortantes da matéria, espécies
de chamamento às origens dos vários elementos, amálgamas de esferas rolando em
plenitude.
Busquei calor, o calor
dos sóis abertos lá em cima. As pálpebras da consciência, contudo, fechavam de falta
de sentido os cômodos da personalidade, para virar, logo adiante, na energia
fluída de calor na pele, sem, no entanto, alimentar novas chances quanto a
retornar ao presente, salvar o passado conhecido, durante a só e única Eternidade
que cresceu e abraçou o mundo em torno.
Olhava o horizonte
aberto na essência de mim absorto na grandiosidade da total integração, e fatores
internos convergiam, crise das individualidades postas na mesa de planície colossal,
e inúmeras tradições fugiram qual névoa desfeita. Sumidas as referências até
então preservadas a sete chaves, cigano das estrelas, o eu vagava desarmado
pelas espirais do salão imenso, no turbilhão da queda livre, através do antigo espaço
indiferente que fugiu. Palco aberto e folhas jogadas ao firmamento, mãos sangrando
de absurdo e sonhos, recebiam marcas de saudades profundas, emoções avassaladoras,
moléculas e perfumes, soltas pelos ares rasgados em Si próprio. Uma dor
translúcida e disforme devorou, assim, doces e ferventes reações inúteis de
preservação dos valores arcaicos. Guardei das lembranças o inexplicável desse
testemunho, notícia maior da experiência de ver bem perto o mistério abissal
das idades, razões primeiras e derradeiras dos fundamentais motivos da
existência. Naquele instante, isso veio à tona na voz de forte berro aos céus, entre
as letras que dançavam soltas na vista do livro, em meio ao pudor das palavras
e no clarão poderoso dos raios do Sol.
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