HÁ UMA GOTA DE SANGUE
NO CARTÃO POSTAL
eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira
de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor
EX (3)
A minha ex-namorada
inundou minha vida de coisas belas demais
evitava que eu tivesse qualquer aborrecimento
impedia que eu saísse no sereno
me conduzia pela mão ao atravessar a rua
velava enternecida pelo meu futuro
a minha ex-namorada usurpou o lugar
onde floria, exuberante, a esposa atual
de meu pai onipresente
De Beijo na Boca (1975)
JOGOS FLORAIS I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
CINEMA MUDO IV
Neste retrato de noivado divulgamos
os nossos corpos solteiros.
Na hierarquia dos sexos, transparente,
escorrego
para o passado.
Na falta de quem nos olhe
vamos ficando perfeitos e belos
tão belos e tão perfeitos
como a tarde quando pressente
as glândulas aéreas da noite.
De Grupo Escolar (1974)
INFÂNCIA (2)
Eu matei minha saudade mas depois
veio outra
De Mar de Mineiro (1982)
poesia.net
www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2007
Cacaso
In Beijo na Boca e Outros Poemas
Brasiliense, São Paulo, 1985
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* W.H. Auden, "Em Memória de Sigmund Freud",
in Poemas, trad. de José Paulo Paes
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