Não tive tempo suficiente para esclarecer se a palavra latina solus tem o mesmo significado que o de solis. Desta origina-se o nome da estrela que aprisiona o nosso sistema planetário e do qual a maior parte da vida depende. Já da primeira palavra, que significa a um só, solitário, deriva para solitas, solidão, unidade, desamparo, retiro...
Sendo o sol único e solitário, tendo a achar que ambas são palavras latinas com o mesmo significado. E se não me engano, passo então ao que venho. Refiro-me a outra palavra derivada de solitas, que é “saudade”.
Saudade que muitos compreendem como um sentimento de incompletude, motivado pela memória de eventos acontecidos ou pelo apartamento das terras, coisas e pessoas amadas. Há quem diga que historicamente a palavra “saudade” seja coisa tipicamente do Português. Que as outras línguas não têm a mesma compreensão.
Um sentimento criado na foz do Tejo, desde a Torre de Belém, com velas sumindo na linha do horizonte. Quem nelas singra, o faz deixando para trás um mundo milenar, um chão de gerações, um céu de sonhos e desejos. Quem fica no porto é como o guerreiro que perdeu a perna na batalha e daí em diante firmou-se num galho morto de uma árvore.
Quando tratamos dos tempos idos temos críticas a eles. Eram tempos de hierarquias familiares exacerbadas, de muita pobreza, sem proteção social. A virgindade se tinha como condenação prévia de toda a sexualidade feminina. A rebeldia era contida na inteireza do controle da renda no pai de família. O ensino era uma dádiva de quem possuía um pouco mais. O cinema para quem tinha trocados no bolso. Existiam duas praças: a dos ricos na Siqueira Campos e dos pobres a de São Vicente (Juarez Távora?).
Por isso quando dizemos “saudade” estamos entre o “apartamento” de um tempo e espaço e a “claridade” do sol. O sol que permite a fotossíntese e desta, a exuberância de toda vida como matriz de energia e proteína. Simultaneamente se diz perda e achado. Pronunciam-se cânticos de amor ao mundo em elisão como se procura nesta mesma manhã que a todos igualmente diz dia, o eixo que dignifica toda existência.
Afinal não somos saudades para aceitar as formas arcaicas do passado, mas para que os presentes não achem do momento uma eternidade que dure. Achem a eternidade que existe e por existir se aparta da sua necessária cessação no tempo. O tempo não é a questão. A questão somos nós. E a percepção de que estamos numa multiplicidade que precisa ser decifrada a cada passo. Uma saudade que traduza para as novas gerações que forjam as próprias saudades que nada se resume a esquema do tipo o “bem” e o “mal”.
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