Conta, fim precípuo de revelar horas convenientes de fugir das vistas sagazes do feitor. Demonstrou arrependimento, tristeza, gesto meloso dos dissimulados o quanto pôde. Conseguiu fingir acomodação, e lá bela noite jogou-se de impulso selvagem malha da vontade e sumiu caatinga adentro, no escuro estrelejado, doces sonhos de escuridão profunda.
Dias e dias passavam-se, quando ninguém sabia notícias da jovem negra, pois o silêncio vencera a fome dos boatos na desconfiança dali.
Num fim de tarde pouco além, nas horas mormacentas de verão cinza avermelhado, nuvem sinistra de urubus formou-se no meio de manga distante, entremeio das duas propriedades.
Dado instante adiantado, quase noite, deixaram os agregados de ver melhor só na luz do dia seguinte; talvez alguma rês tresmalhada perdera a vida na mata.
O que encontraram na manhã alta, o corpo desfigurado, maltratado pelos bichos, de Marciana danificada a bico das aves de rapina, exposto na claridade e no calor das inclemências.
A perda feriu o povo de solidão, morrer de amor aceito na carne da cativa. E puseram pequena cruz no lugar onde lhe divisaram a fisionomia pela vez derradeira. Àquele canto viriam peregrinos, munindo flores e velas, reverenciar a forma dorida que terminou com o drama dessa Julieta cabocla, em promessas, milagres, devoção.
Do episódio nasceria o nome do povoado que em volta da cruz rendilharia casas, origem da localidade batizada hoje de Planalto de Marciana, município de Arneiroz, Sertão do Inhamuns, Ceará.
Emerson Monteiro
Dos livros "É Domingo e "No Azul Sonhado"
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