Liduina Belchior roeu um pequi a vista de todos e seus olhos não brilhavam como seria mais fácil de se dizer. Não, olhos que brilham se incendeiam pelo que vêm. Liduina não olhava para o fruto do Pequi. Ela o saboreava. São olhos que expressam outro sentido. O sabor tem um olhar encantado, apertado, como se as pálpebras quisessem a penumbra para que o ser se concentrasse noutra esfera da relação com o mundo. É um olhar diferente, pois o brilho traduz a chegada do evento aos olhos, enquanto o olhar de Liduina se encontra no prório processo do acontecimento. Quando o olhar brilha, ele adivinha, se antecipa ao que ocorrerá com a presença daquele momento. Já o olhar de Liduina, são janelas para inteireza entre a natureza específica do fruto do pequi e a boca em tudo que isso tem historicidade das franjas do Araripe, especialmente dos Cratenses.
Como bem diz Liduina: o pequi é tudo ou nada. Isso é importante, pois quem tem na raiz cultural uma fruta como essa, tem tudo para ser de uma radicalidade só comparada àquela que despacha como o fruto proibido do paraíso. Mesmo em seu profundo conservadorismo, o cratense o é, radicalmente conservador. Como radicalmente iconoclasta ou radical em suas raízes folcóricas.
E a coisa é tão interessante, pois no caso do Pequi do Ceará, ele só ocorre numa pequena mancha do território, ele é mais radical ainda. Pois é restrito, não é abrangente, acontece quase que apenas no consumo dos cratenses, não igualmente nas outras vizinhas cidades. Não se estranhe que a irmã siamesa Juazeiro do Norte, usasse o pejorativo piquizeiro para brincar com o outro lado. No cariri o consumo do pequi é uma ilha isolada no meio de um continente de cozinha sertaneja. Em Góias, ou em Montes Claro em Minas Gerais, o pequi é consumido por grandes faixas de municípios, faz parte da cultura geral.
Agora vem o vazio enorme. O Pequi fugiu do prato. O momento foi breve, me refiro a apenas dois restaurantes, mas significativos. Fui num restaurante quase artesanal, bem no alto, acima da nascente, lá pedi pequi e não tinha. Não faziam porque a clientela não gostava. O mais grave foi no Pau do Guarda, que aliás tenho um reparo a fazer. Lá não se faz mais pequi, os pratos não são pedidos ou serão devolvidos pelos frequeses, não se come mais o Pequi. O que aconteceu, até entendi, eles abrirão uma filial imensa em Juazeiro, a sua freguesia não é mais cratense. E os "cratenses" que lá estão ou são por demais shopping center ou não foram criados na cultura do cariri.
O reparo sobre o Pau do Guarda. Uma coisa é evolução e outra aculturação. A evolução acontece no evoluir das próprias bases, enquanto a aculturação se faz pela introjecção de uma base alienígena. O ideal é que os donos do estabelecimento, abrisse um com esta cara de Picanha que existe feito praga por todo o país, mas deixasse que a velha cozinha caririense continuasse seu evoluir, com seus elementos, com seus ingredientes e temperos. A este mantivesse a mesma denominação, ao outro lhe desse outro qualquer, ou um destas manjada Picanha do .....e completava com um nome qualquer.
Por último. De Fortaleza à Bahia, aliás especialmente na Bahia, os letreiros não dizem mais "Carne de Sol", mas Carne do Sol. O artigo definido me deu um sabor de carvão de carne.
Um comentário:
José do Vale e Socorro,
O Pequi é ainda: ame-o ou não coma-o!
Só o degusta quem gosta de verdade, embora
não seja vinho. Mas que o bixim é bom, é bom!
E é verdade, José, o meu olhar brilha, quando
estou saboreando.Eita coisa boa, meu Deus!
Abraços e laços: Liduina.
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