J. FLÁVIO VIEIRA
A constatação tem a textura de uma
rocha magmática: a árvore frondosa desabou e está ali estendida, inerme, no meio da estrada. Os transeuntes
obstacularizados pelos galhos volumosos se postam diante da catástrofe : menos
interessados em entender os meandros da hecatombe e mais perplexos ante o simples impedimento de seguir em frente. Certo que um dia ,
inevitavelmente, esperava-se o desabamento : destino de todos os corpos
imantados pela gravidade do tempo. Mas a
queda nos toca profundamente , sempre, como se nos impingisse a certeza
absoluta da impermanência , da fluidez dos minutos e das horas escorrendo , inflexivelmente, para o
ralo tenebroso da inexistência.
Hoje,
a árvore, mesmo tombada, ainda parece
fazer parte da nossa perspectiva diária, como se seu reflexo ainda ali
estivesse indelével no horizonte. Amanhã, no entanto, se juntará à paisagem
pretérita. Caule, folhas, galhos , flores,
pouco a pouco serão mastigados pelos incansáveis operários do nada e o
pó teimará em retornar a pó , numa
ubíqua e carnal comunhão com toda a natureza.
Os
observadores da árvore mais próximos, talvez já nem a percebessem : fazia parte
do gasto panorama cotidiano. Agora, no entanto, com a queda repentina e o vácuo
no horizonte, se hão de perguntar perplexos : o que fica do tronco e suas
incontáveis ramificações que ontem ali
estavam, dependurados na estampa do infinito ?
Ficam
as incontáveis lembranças do seu apogeu. A sombra que acalentou e protegeu os
dias não apenas dos seu frutos, mas de todos os insetos, passarinhos e viandantes que dela se aproximaram. Também a aparente aspereza do seu porte que precisou
criar raízes fortes e profundas para suportar o peso dos galhos imensos que lhe davam fortaleza. O despojamento de
livrar-se das folhas , seu vestido de gala, nos períodos de seca e estiagem,
projetando a flora nas futuras
primaveras. Ficam também as flores com
as quais inundou o mundo de cores e aromas e as serviu, copiosamente, sem
distinção, a todos que por ali passaram. Permanecessem, intocados pelo tempo, os
frutos estendidos numa mesa imensa
e servidos, irmanamente, num banquete opíparo e magnânimo, para
degustação de pássaros, borboletas e peregrinos. E , por fim, o pólen :
espargido aos sete ventos , disseminando a opulência e o milagre da vida floresta afora.
Tronco
e ramada ao chão são apenas uma mera
metamorfose da árvore. Ela faz-se ,
misteriosamente, crisálida enquanto
aguarda , pacientemente, no casulo, a
eclosão das tenras asas para o novo voo
nupcial.
Crato, 24/04/15
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