por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Maias




                                                               Embora negue ,peremptoriamente, consta que teria partido de Valdenor aquele projeto genial. Depois do big-bang,   fica difícil juntar os cacos do quebra-cabeças e descobrir quem  teria assoprado o lume do estopim. Como sempre, as grandes idéias surgem, meio por acaso, sopradas pelo bafejo de algum anjo de luz ou sussurradas no pé do ouvido pela língua ofídica de algum dos decaídos . E o diabo é que a tragédia tinha acontecido simultaneamente com dois amigos de infância e adolescência, mas que agora, tangidos pelas vicissitudes do destino, estava cada um ( ado-ado-ado) no seu quadrado, tendo de ganhar a vida e arranjar algum alpiste para alimentar os bruguelos, cada um em  planeta diferente.
                                               Valdenor , passados os sonhos dourados  da juventude, teve que antecipar o casamento por conta de um emprenhamento prematuro da namorada. E eram tempos de “casa ou morre”. Na sinuca de bico, preferiu a morte a crédito: casou, deixou de lado os projetos estudantis e passou a trabalhar como vendedor numa concessionária de automóveis. Orlando fora seu amigo inseparável nos tempos de escola , de bailes e de farras homéricas. Firmou-se nos livros, terminou um curso de odontologia em Recife e vivia de boticão em punho no Crato há mais de vinte anos. Seus caminhos cruzavam-se,  esporadicamente, na rua, numa farmácia, no comércio. Não mais que isso.
                                               Pois bem, neste 2012 --- e pululam explicações catastróficas sobre esta coincidência ---  as aparentes paralelas, descobriram-se  semi-retas e voltaram às intersecções. Meio do ano, no último final de semana da Expô/Crato, os dois --- cada um por  razões diversas --- tiveram que viajar. Valdenor fora convocado para uma reunião de avaliação de desempenho da sua Concessionária em São Paulo e Orlando  partia para  um Congresso científico, no Rio. Viajavam ambos meio a contragosto, tendo que abandonar os dias mais virulentos das festividades de meio do ano. Mas que jeito ? Manda quem pode e obedece quem tem juízo !  E não era , simplesmente, o desassossego de abandonar a cidade em tempos tão festivos. Orlando  era muito supersticioso e ficou cabreiro quando um tio seu, o velho Júlio Maia, lhe alertou, no dia anterior, que tinha tido um sonho muito ruim: vira no delírio onírico, com aqueles olhos que a terra haveria de lanchar,  uma avalanche de troncos de madeira descendo ladeira abaixo e caindo em cima do sobrinho. E Valdenor, embora não tenha contado a ninguém, andava também com uma pulga detrás da orelha. Ele tinha uma vaca que chamava carinhosamente de “Maiada” e que dava uns quinze litros de leite todo dia, pois depois que marcou a viagem, ela  botou para secar os peitos e , de repente, não caiu mais um pingo. O vaqueiro do sítio o alertara que aquilo não era sinal de  bom augúrio.
                                               Por peripécias do acaso, iriam se encontrar no aeroporto. Estavam meio emburrados com a necessidade de viajar em dias tão pouco propícios. Tinham chegado ali com a ajuda das esposas que se despediram de cada um deles , após o check-in. Toparam um com o outro já na sala de embarque, enquanto reviviam os bons tempos, perguntavam por colegas da época e pelo destino das meninas mais charmosas da turma. Tinham comprado, embora não soubessem, passagens no mesmo avião. A coincidência chicotou ainda mais a curiosidade sobre os bons e  antigos tempos. E conversa puxa conversa, fofoca exuma fofoca, nem perceberam que a aeronave não chegara no tempo previsto e no quadro já não havia previsão para o embarque. Passadas uns sessenta minutos da hora prevista, finalmente,   o pessoal de terra avisou que o vôo 1899 para São Paulo, com escala no Rio, por problemas técnicos estava suspenso. Sabiam que só haveria agora vôo no dia seguinte e ficaram chateados com o contratempo.
                                                É neste exato momento que as versões divergem. Quem teria dado a idéia cabalística ? Reza a crença que Valdenor teria bolado o plano. Eu, como simples relator dessa história é que não vou enfiar minha colher neste consumê . O certo é que , independente de quem foi o Thomas Edison, os dois concordaram. Oras, não havia outros passageiros conhecidos. Deixariam as malas no Malex do Aeroporto, comprariam um chapéu para disfarçar e partiriam direto dali para a Expô/Crato. Na hora prevista de chegada aos seus destinos originais , cada um ligaria para a esposa informando que a viagem foi ótima , que estava tudo bem e que iriam descansar um pouco para  o início dos trabalhos mais tarde. Virariam a noite, na maior farra desse mundo e , no outro dia cedinho, pegariam um taxi, se despediriam das catraias que tinham arranjado e partiriam , finalmente, para Rio e São Paulo para os eventos previstos, com a desculpa mais que justificável de falha da Companhia Aérea.
                                   Seguiram à risca o plano. Sentiram-se voltando no tempo e gazeando a aula de Educação Física para ir ao Cabaré. Chegando na Expô/Crato foram direto para aquele lugar recôndito chamado inferninho. Primeiro porque ali é sempre mais reservado e privativo e, depois, porque existiam informações mais que abalizadas dizendo que lá , apesar do nome, se tratava do Nirvana. Tinha até as onze mil virgens, só descobririam que elas já tinham perdido de há muito esse atributo. Encheram a cara, dançaram o dia todo e à noite, ainda deram uma escapadinha e desceram para o show de uma Banda de Forró de nome apetitoso: “Cheira meu tabaco e desmaia”.  
                                   Ainda bêbados e grogues, de madrugadinha , já de táxi previamente contratado, partiram para o Aeroporto, com aquela cara de menino que acorda em dia de natal. Só não esperavam pela surpresa. As duras esposas estavam lá os esperando, de bote armado. Apanharam que só galinha pra largar o choco. Só depois souberam que houvera uma mudança no horário do novo vôo e a Companhia tinha ligado para suas casas avisando de mais esse contratempo. As jararacas pegaram o fio da meada, descobriram rapidamente a tramóia e partiram para lá, prontas para flagrar os recém-ressuscitados boêmios. O julgamento foi sumário, a peia comeu no centro, o papelão revelou-se publicamente e a pena executada fora em praça pública.
                                   Alguns dias depois, ainda de caras inchadas e reclusos, em silêncio obsequioso, Valdenor ligou clandestinamente para Orlando. Na defesa , um tinha colocado a culpa no outro e, certamente, quando o tempo os absolvesse , ficaria um ranço danado de cada uma das esposas com o amigo do marido. Mas que jeito ?   Orlando, o mais supersticioso, fatalisticamente disse ao colega que deviam ter prestado mais atenção aos sinais premonitórios da catástrofe. Tudo estava escrito!
                                   --- Veja só, Valdenor ! Tio  Júlio MAIA disse que eu não viajasse;  sua vaca MAIAda secou os peitos e a o diabo da banda da Exposição, você lembra?  “Cheira o meu tabaco e desMAIA” . Pois todos esses Maias tinham razão ! A calendário dos Maias estava certo,  nós é que nos abestalhamos, o Mundo tinha mesmo que se acabar neste 2012 !

J.  Flávio Vieira

Nenhum comentário: