por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A mão que afaga


Parece uma quarta-feira de cinzas essa ressaca pós-eleitoral. Os confetes estão espalhados na avenida, a música silencia, os foliões arriam as bandeiras, os blocos batem em retirada. Daqui a um pouquinho , também, todos tirarão as máscaras : políticos e eleitores. Defenestradas as fantasias, invariavelmente, nos bate o impacto da dura realidade cotidiana. As expectativas , sempre, sobrepujam em muito as possibilidades  reais. Luiz XV dizia que quando escolhia alguém para um cargo vacante, imediatamente , criava um ingrato e cinquenta inimigos. Há sempre cargos de menos para candidatos de mais. E promessa em período eleitoral é como coceira em macaco: não tem tratamento conhecido. Candidato promete até convencer mulher a não pintar os cabelos depois dos sessenta. Os desapontamentos são inevitáveis e, em geral, ele é proporcional ao tamanho da vitória nas urnas. Quanto mais expectativa alimentada, maior o falatório depois da lua de mel que aqui em Crato costuma durar uns noventa dias.
                               Há tempos não tínhamos uma vitória tão contundente na nossa cidade. Levantou-se, no meio da população,  o anseio de mudança e o candidato do PMDB foi aquele que mais  demonstrou reais possibilidades de virar o jogo. Jovem, empresário bem sucedido,  sem quaisquer desgastes  prévios na sua imagem de administrador,  conseguiu travestir-se, fácil, de candidato ideal.  Sua missão é hercúlea . Em tempos bicudos como o que vivemos, quando o Crato de líder regional , tornou-se, nos últimos trinta anos,  um mero fantoche daquilo que um dia foi; seu povo não  escolhe um prefeito, mas um salvador da pátria, um Messias que venha trazer a boa nova ou a boa velha.  Os cabelos brancos me foram tornando mais cético, perdi a crença em profetas e em milagres, mas torço de coração para que esteja errado e que a voz do povo, na realidade represente a voz de Deus, apesar de antecedentes em contrário como na eleição de Barrabás e no III Reich.   Afinal estamos todos no mesmo navio fazendo água, torço para que o Almirante escolhido encontre o caminho das Índias. Que administre para o bem estar da cidade não para seus grupos de apoio!
                               Vivemos em uma ilha banhada de hipocrisia por todos os lados.  Em pleno julgamento do mensalão pelo STF, vemos o Poder Econômico direcionar descaradamente as eleições em todos recantos do país. Julgamento que, diga-se de passagem, por estranhíssima coincidência,  foi ajustado justamente para um mês antes da eleição e o da cúpula do PT calculado milimetricamente para acontecer na semana anterior ao pleito.  A Casa Grande não tem mesmo vergonha na cara.   Qualquer menino em beira de rua sabe o absurdo que se gasta para eleger um prefeito ou um vereador. As pessoas se indignam na TV, mas se esbaldam na compra e venda de votos, sem nenhum escrúpulo. O candidato que comprou sua eleição, que compromisso tem com o povo que vendeu o voto? Negócio fechado! Estamos quites!
                               Os ventos da mudança bafejaram ainda na Câmara Municipal. Tivemos uma grande renovação de nomes  no quadro de vereadores. Esta reviravolta certamente oxigena o nosso Poder Legislativo, historicamente tão débil e cooptável.  Quantos farão oposição real à nova administração? Acredito que mudaram nomes,  mas não vão se modificar facilmente as antigas práticas , os velhos conchavos. Mesmo com minoria na Câmara,  os prefeitos, rapidamente, num passe de mágica, arrebanham, sabe-se lá como, uma trupe imensa de fiéis escudeiros.
                               Passada a festa, é hora de guardar a fantasia e voltar à realidade. Os que deixam a administração têm que imaginar as imensas janelas que se abrem à  frente, agora que a porta fechou. A tutela do estado teima em tornar todos um pouco inebriados e anestesiados. Passado o efeito do curare,  abrem-se imensas veredas para o crescimento pessoal e profissional de cada um, sem a gangorra inevitável dos empregos políticos. Os que chegam,  disfarcem ao menos a sofreguidão e percebam a ciclicidade inevitável dos cargos que estão assumindo. Pensem na cidade e na população que os elegeu. Coloquem os projetos coletivos acima dos interesses pessoais. Afinal, tudo é transitório, tudo é fugaz. E ,como dizia o nosso Augusto dos Anjos, lembrem  que “a mão que afaga é a mesma que apedreja”.

J. Flávio Vieira

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