Parece uma quarta-feira de cinzas
essa ressaca pós-eleitoral. Os confetes estão espalhados na avenida, a música
silencia, os foliões arriam as bandeiras, os blocos batem em retirada. Daqui a
um pouquinho , também, todos tirarão as máscaras : políticos e eleitores.
Defenestradas as fantasias, invariavelmente, nos bate o impacto da dura
realidade cotidiana. As expectativas , sempre, sobrepujam em muito as
possibilidades reais. Luiz XV dizia que
quando escolhia alguém para um cargo vacante, imediatamente , criava um ingrato
e cinquenta inimigos. Há sempre cargos de menos para candidatos de mais. E
promessa em período eleitoral é como coceira em macaco: não tem tratamento
conhecido. Candidato promete até convencer mulher a não pintar os cabelos
depois dos sessenta. Os desapontamentos são inevitáveis e, em geral, ele é proporcional
ao tamanho da vitória nas urnas. Quanto mais expectativa alimentada, maior o
falatório depois da lua de mel que aqui em Crato costuma durar uns noventa
dias.
Há
tempos não tínhamos uma vitória tão contundente na nossa cidade. Levantou-se,
no meio da população, o anseio de
mudança e o candidato do PMDB foi aquele que mais demonstrou reais possibilidades de virar o
jogo. Jovem, empresário bem sucedido, sem quaisquer desgastes prévios na sua imagem de administrador, conseguiu travestir-se, fácil, de candidato
ideal. Sua missão é hercúlea . Em tempos
bicudos como o que vivemos, quando o Crato de líder regional , tornou-se, nos
últimos trinta anos, um mero fantoche daquilo
que um dia foi; seu povo não escolhe um
prefeito, mas um salvador da pátria, um Messias que venha trazer a boa nova ou
a boa velha. Os cabelos brancos me foram
tornando mais cético, perdi a crença em profetas e em milagres, mas torço de coração
para que esteja errado e que a voz do povo, na realidade represente a voz de
Deus, apesar de antecedentes em contrário como na eleição de Barrabás e no III
Reich. Afinal estamos todos no mesmo navio fazendo
água, torço para que o Almirante escolhido encontre o caminho das Índias. Que
administre para o bem estar da cidade não para seus grupos de apoio!
Vivemos
em uma ilha banhada de hipocrisia por todos os lados. Em pleno julgamento do mensalão pelo STF,
vemos o Poder Econômico direcionar descaradamente as eleições em todos recantos
do país. Julgamento que, diga-se de passagem, por estranhíssima coincidência, foi ajustado justamente para um mês antes da
eleição e o da cúpula do PT calculado milimetricamente para acontecer na semana
anterior ao pleito. A Casa Grande não
tem mesmo vergonha na cara. Qualquer menino em beira de rua sabe o absurdo
que se gasta para eleger um prefeito ou um vereador. As pessoas se indignam na
TV, mas se esbaldam na compra e venda de votos, sem nenhum escrúpulo. O candidato
que comprou sua eleição, que compromisso tem com o povo que vendeu o voto?
Negócio fechado! Estamos quites!
Os
ventos da mudança bafejaram ainda na Câmara Municipal. Tivemos uma grande
renovação de nomes no quadro de
vereadores. Esta reviravolta certamente oxigena o nosso Poder Legislativo,
historicamente tão débil e cooptável. Quantos
farão oposição real à nova administração? Acredito que mudaram nomes, mas não vão se modificar facilmente as antigas
práticas , os velhos conchavos. Mesmo com minoria na Câmara, os prefeitos, rapidamente, num passe de
mágica, arrebanham, sabe-se lá como, uma trupe imensa de fiéis escudeiros.
Passada
a festa, é hora de guardar a fantasia e voltar à realidade. Os que deixam a
administração têm que imaginar as imensas janelas que se abrem à frente, agora que a porta fechou. A tutela do
estado teima em tornar todos um pouco inebriados e anestesiados. Passado o
efeito do curare, abrem-se imensas
veredas para o crescimento pessoal e profissional de cada um, sem a gangorra
inevitável dos empregos políticos. Os que chegam, disfarcem ao menos a sofreguidão e percebam a
ciclicidade inevitável dos cargos que estão assumindo. Pensem na cidade e na
população que os elegeu. Coloquem os projetos coletivos acima dos interesses
pessoais. Afinal, tudo é transitório, tudo é fugaz. E ,como dizia o nosso
Augusto dos Anjos, lembrem que “a mão
que afaga é a mesma que apedreja”.
J. Flávio Vieira
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