Gabo não podia mais dar respostas claras e acuradas a perguntas diretas e inesperadas, e era capaz de esquecer o que acabara de dizer cinco minutos antes. Eu não era especialista sobre as diferentes formas e progressões da perda da memória, mas minha impressão foi de que sua condição progredia com bastante constância. Era duro ver um homem que havia feito da memória o foco central de toda a sua existência assediado por tal infortúnio. Gabo era “um recordador profissional”, como sempre se chamou...
Com dicas adequadas podia lembrar-se de mais coisas do passado remoto – embora nem sempre os títulos de suas obras – e travar uma conversa razoavelmente normal e até bem-humorada. Mas sua memória imediata estava fragilizada, e Gabo se mostrava claramente angustiado com isso e sobre a fase em que parecia ter entrado. Depois que conversamos sobre seu trabalho e seus planos por algum tempo, declarou que não tinha certeza se voltaria a escrever. Então ele disse, quase melancólico: “Escrevi bastante, não escrevi? As pessoas não podem ficar frustradas, e não podem esperar mais nada de mim, não é?”
Estávamos sentados em imensas poltronas azuis, numa saleta íntima do hotel, de onde se via o anel rodoviário do sul da Cidade do México. Lá fora estava o século XXI, voando. Oito pistas de tráfego incessante.
Ele me olhou e disse:
- Sabe, algumas vezes fico deprimido.
- Como? Você, Gabo, depois de tudo que realizou? Não acredito. Por quê?
Ele gesticulou para o mundo além da janela – a grande artéria de tráfego intenso, a intensidade silenciosa de todas aquelas pessoas comuns vivendo a vida num mundo que não era mais seu - depois voltou o olhar para mim e murmurou:
- Porque percebo que tudo isso está chegando ao fim.
Estávamos sentados em imensas poltronas azuis, numa saleta íntima do hotel, de onde se via o anel rodoviário do sul da Cidade do México. Lá fora estava o século XXI, voando. Oito pistas de tráfego incessante.
Ele me olhou e disse:
- Sabe, algumas vezes fico deprimido.
- Como? Você, Gabo, depois de tudo que realizou? Não acredito. Por quê?
Ele gesticulou para o mundo além da janela – a grande artéria de tráfego intenso, a intensidade silenciosa de todas aquelas pessoas comuns vivendo a vida num mundo que não era mais seu - depois voltou o olhar para mim e murmurou:
- Porque percebo que tudo isso está chegando ao fim.
Um comentário:
Pior do que esquecer é o tédio de não viver.
Belo texto, Z|é do Vale!
Abs
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