A questão da igualdade e das diferenças no atual estágio da
história da humanidade. Isso é importante uma vez que caracterizou o mundo
desde o século XIX a idéia de uma igualdade entre os homens a que se chamou
socialismo/comunismo com um número razoável de vertentes de como fazer a
igualdade.
Antes uma ressalva: as principais perversões do capitalismo
(acumulação) e do comunismo (concentração de poder) terminaram de alguma forma
no mesmo denominador comum. Quer dizer: o poder de opressão de poucos sobre
todos. A diferença básica entre os dois é que o capitalismo é um modelo
econômico enquanto o comunismo um modelo essencialmente político.
Em ambos a igualdade se desfaz em contradições e por
incrível que pareça a individualidade se encastela numa casamata defensiva ao
mundo que lhe cerca. O capitalismo como modelo econômico é visitado pela
política constantemente, com freios e contrapesos que evitem o excesso de
acumulação que destrói a liberdade e a democracia. As ideias neoliberais do
final do século XX e início deste século foram políticas e, portanto, com
repercussões na forma de organização e vida dos indivíduos.
Os neoliberais como pensamento ideológico e político ainda
estão com algum prazo de validade embora nos leve a crer que já vencido em
alguns casos bastante evidentes neste momento. Especialmente por ser incapaz de
uma autocrítica que extraia respostas à acumulação em poucos e a pobreza de
todos.
Já o pensamento socialista como ideologia e política se
debate na própria crise do fim da guerra fria e agora quando as ideias
neoliberais entram em crise real, favorece a autocrítica do pensamento de
esquerda, tornando-o mais aberto e consoante com a história. O Vladimir Safatle
publicou o livro “A esquerda que não teme dizer o seu nome” levando Caetano
Velloso a fazer uma crítica na sua coluna dominical no jornal O Globo ao que o
Vladimir o respondeu com o seguinte e inovador pensamento sobre o modo de
tratar as diferenças num pensamento de esquerda. Leia abaixo:
“Caetano
critica minha maneira de defender o igualitarismo, vendo nisso um arcaísmo.
Para ele, tal igualitarismo não seria muito diferente do tom opressivo da
esquerda “indiferente” e “universalista” de sua juventude. Esquerda para quem
questões de raça, sexo, nacionalidade e estética eram diversionismo que nos
desviariam da revolução.
Longe
de mim querer diminuir a importância dos apelos de modernização social
embutidos em demandas de reconhecimento da diversidade de hábitos e culturas.
Estas são questões maiores, por tocarem diretamente a vida dos indivíduos em
sua singularidade. Não se trata de voltar aquém das políticas das diferenças e
de defesa das minorias. Trata-se de tentar ir além.
Quando afirmo que
devemos ser indiferentes à diferença é por defender que a vida social deve
alcançar um estágio no qual a diferença do outro me é indiferente. Ou seja, a
diversidade social, com sua plasticidade mutante, deve ser acolhida em uma
calma indiferença. Que para alcançar tal estágio devamos passar por processos
de abertura da vida social à multiplicidade, como as leis de discriminação positiva.
Isso não muda o fato de não querermos uma sociedade onde os sujeitos se
atomizem em identidades estanques e defensivas. Queremos uma política
pós-identitária, radicalmente aberta à alteridade.
Um exemplo: discute-se hoje o direito (a meu ver, indiscutível) de
homossexuais se casarem. Mas por que não ir além e afirmar que o ordenamento
jurídico deve ser indiferente ao problema do casamento?
“Indiferença” significa, aqui, não querer legislar sobre as diferenças.
Ou seja, por que não simplesmente abolir as leis que procuram legislar sobre a
forma do casamento e das famílias, permitindo que os arranjos afetivos
singulares entre sujeitos autônomos sejam reconhecidos? Não creio que isso seja
arcaísmo, mas o verdadeiro universalismo.”
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