por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 11 de maio de 2012

Bacharel em Letras


Certamente, nos  ficou como nesgas da Monarquia esta tendência tão brasileira de distribuir títulos honoríficos às pessoas , sem quaisquer outros atributos agregados além do massageamento de egos e a fermentação de vaidades por vezes adormecidas. Lembro-me ainda de uma infinidade de Coronéis da Guarda Nacional, títulos por vezes comprados e outros tantos distribuídos entre senhores feudais aqui do Nordeste. Empavonavam-se tanto com o galardão nossos avós e bisavós, mesmo que à suposta patente nenhuma honra militar se lhe anexasse. Aqui, qualquer médico, dentista, advogado imediatamente é elevado ao  título de Doutor.  A  Diretoria da mais simples Associação Comunitária elenca um número vultoso de cargos(  presidentes, diretores executivos, Vice-diretores, superintendentes, tesoureiros, secretários, etc) ; uma maneira política de resolver grandes conflitos envolvendo os mais rasteiros degraus da escada do poder. Boa parte das Instituições Brasileiras têm por hábito distribuir , periodicamente,  Prêmios, Medalhas e Troféus ; uma medida barata , cômoda e direta de  --- inflando a auto-estima do agraciado--- corrigir injustiças , fazer política de boa vizinhança, preparar o tráfico de influência futuro. No fundo, bem lá no fundo, qualquer um de nós facilmente é entronado no topo máximo da profissão. É que a vaidade humana é o mais profundo abismo da nossa alma. Não há trena ou balança neste mundo capaz  de medir e pesar a importância que o mais simples mendigo da nossa rua se dá. Há um Príncipe Ribamar e um Senador Epifânio dormentes em cada um de nós.
                                               Há, no entanto, em meio à  sensibilidade envaidecida do nosso povo, aqueles raros que têm o pé no chão e que não pegam corda como relógio de parede. Pois vou contar duas histórias do passado, relembrando ilustres figuras aqui do  Cariri  que terminaram engolidas pela voracidade do tempo. Espero que adociquem um pouco o fim de semana de cada um de vocês.
                                               A primeira envolve uma figura queridíssima em toda região e que fez vida política no Potengi, por muitos e muitos anos. Chamava-se Luiz Gonzaga  Alconforado, mas era conhecido por todos pelo dulcíssimo apelido de LUZIM. É o pai de um renomado Cardiologista da nossa terra : Dr. Orestes Guedes. Sério, digno, probo, orador inspirado, nosso personagem é de uma estirpe de políticos que não mais existe; desses que nunca se molhariam em qualquer Cachoeira. Seu Luzim estudou aqui no Crato, no Colégio Diocesano e , na época, a conclusão da 4ª. Série Ginasial, que hoje representa o término do  Ensino Fundamental , era motivo de uma Festa de Formatura de grandes proporções. Quem finalizava o Curso, na época, recebia inclusive um Título : “Bacharel em Letras”. Após a festa de conclusão, devidamente intitulado, seu Luzim foi passar as férias de final de ano no Potengi e receberam-no com festas, orgulhosos do desempenho do parente. O próprio Seu Luzim contava a história, com a sisudez e o bom humor que lhe acompanharam toda trajetória,: lá chegou vaidoso e serelepe com tantas honrarias. Lá para o meio do festa, seu avô, agricultor eirado e homem  simples do campo, empossado de todo pragmatismo que as dificuldades do dia a dia lhe foram proporcionando, resolveu, o velho . saber mais detalhes das culminâncias que o neto tinha alcançado.
                                               --- Meu filho, você é doutor mesmo de quê ?
                                               Luzim empertigou o peito e impávido respondeu:
                                               --- Sou Bacharel em Letras, vovô !
                                               --- Ah, já sei ! --Fitou-o o velho com olhar tranqüilo --  você agora vai receitar o povo , passar meizinha e encanar braço.
                                               --- Não, vovô ! Não sou médico , não ! Sou Bacharel em Letras !
                                               --- Ah, Luzim, já sei, agora você vai celebrar missa, casar e batizar!
                                               --- Vovô, não sou padre, não ! Sou Bacharel em Letras !
                                               --- Ah, compreendi ! – Saltou o avô. Você agora vai soltar gente da cadeia, lavrar petição  , tomar partido em questão de terra e briga de marido e mulher!
                                               --- Não , vovô, nada disso, não sou advogado, não ! Sou Bacharel em Letras !
                                               O velho, então, impacientou-se e feito o diagnóstico, providenciou o esporro:
                                               --- Bacharel em Letras ! Você não fique aí cagando goma , não, seu moleque ! Você num é porra nenhuma, tá ainda como peito de homem: não tem serventia prá nada! Vá estudar que esse tal de Bacharel em Letras é uma formatura muito da mucufa ! Tome tento, menino !
                                               A outra história envolve um grande professor cratense : José Fernandes Ribeiro Castro. Conterrâneo do nosso Patativa, o mestre veio ensinar no Colégio Diocesano nos anos 40 e se tornou o primeiro professor de Educação Física do Cariri e um dos primeiros do Ceará. Segundo o HD do Cariri,  Huberto Cabral, Fernandes fez-se o primeiro Diretor da Liga Cratense de Desportos. Vaidoso, vestia-se no mais fino linho e perfumava-se como um Dândi e terminou casando numa das mais tradicionais famílias da região: com uma filha do Dr. Antonio Teles.  Um dia, nosso gentleman invadiu a Livraria Católica de propriedade de dois outros amigos professores: Zé do Vale e Vieirinha e parecia radiante. Trazia na mão um telegrama do Governo do Estado, informando-o  da  boa nova :  acabava de ser nomeado  para um cargo de nome pomposo : Inspetor de Ensino. Os colegas prontamente o parabenizaram pela conquista, alguns mais desconfiados julgaram que ali haveria interferência política por parte do sogro que era Deputado Federal. Depois das tapinhas nas costas e da epidemia de congratulações, nosso mestre dirigiu-se diretamente a um barnabé antigo , Quinco Pinheiro, que , em meio à enxurrada  de cumprimentos, terminou-se sabendo já ter assumido a importantíssima função, em anos passados.
                                               --- E aí, Quinco ? Quanto levo, meu amigo ? Qual é o salário que se esconde por trás de  um Inspetor de Ensino ? --- Quis saber Fernandes.
                                               ---- F ernandes, rapaz. Esse cargo que você vai assumir é importantíssimo. Toda solenidade na região você vai ser imediatamente lembrado. Em todo comício você sobe no palanque do Governo. As Escolas vão a todo momento pedir sua interveniência junto ao estado para resolver suas demandas. É ótimo! Só tem um probleminha: É cargo  de alta relevância, mas não remunerado!
                                               José Fernandes, decepcionado, ainda perguntou umas três vezes, para ter certeza:
                                               ---Como? Como? Como? Só firula? Não tem dinheiro nesse negócio , não, é ?
                                               Calmamente  dobrou o telegrama nomeatório e o rasgou, pedacinho por pedacinho. Depois, jogou a pedaceira no cesto do lixo e proclamou:
                                               --- Acabo de ser demitido por justa causa !
                                               Terminei aprendendo. Diante dos elogios dos amigos, dos prêmios auferidos e dos títulos que vão caindo nas nossas mãos vida afora, refreio todo o empavona mento fácil , o orgulho besta e a vaidade contagiosa. Sei que não passo de um simples e reles Bacharel em Letras.

J. Flávio Vieira

6 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

E este homem poderia querer mais do que esta suprema honra de ser bacharel naquilo sem a qual não posso nem começar para queixar-se do pouco quando tanto ele é. Ah! Seu Luzim! Aquele homem volumoso, sentado na cadeira de balanço a falar como eterno líder da cidade. E Zé Fernandes (Não esquecer que o velho Filé, era Filemon Fernandes Telles) era tão clean que fio algum de cabelos soltava-se do seu penteado lisamente para trás. Sapatos plumados como piso de gato.

jflavio disse...

Eita, Socorro, vc conhece todos os personagens, sua danada !

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

O quéisso Zé, tá me desconhecendo!

Anônimo disse...

Delícia, delícia! Crônica repassada de um humor fino e irônico que faria inveja a Millòr Fernandes!



Bastinha Job

socorro moreira disse...

Virou conferência. Eita coisa boa!
Tô aqui morrendo de rir.

Abraço todos.

jflavio disse...

Ei Zé,

Pois rapaz , imaginei que fosse Socorro. mas ela tava conhecendo os personagens demais, né? O velho Luzim era uma graça e lembro tb do zé fernandes lá pela Livraria. Abraço e perdoe pela ilusáo de ótica...