Tive o privilégio de assistir ao espetáculo infantil “ O mistério das treze portas”, na verdade, um grande evento que traz à luz os seres que fizeram história, nas suas transgressivas formas de ser e de conceberem a vida. Sujeitos massificados e excluídos socialmente, atingidos com as pedras do preconceito de uma sociedade que apenas lhes permitiu a mísera visibilidade do desdém e da zombaria, julgando-os com critérios absolutamente elitistas.
À medida que os nomes desfilavam naquele palco, igualmente reavivavam e se abriam lentamente “as portas” das minhas lembranças desses personagens que percorreram as ruas do Crato e deixaram suas marcas, resgatadas, hoje, graças a sua sensibilidade antropológica e de todos que tornaram possível o livro, e consequentemente, o espetáculo.
Parabenizá-los é muito pouco diante do coquetel cultural que degustamos ao sabor das músicas e da diversidade dos artistas. Jamais esquecerei o cântico performático de João do Crato que mesclou tão bem, corpo, voz e coração num só pulsar interpretativo.
Claro, que também deixo aqui algumas observações, que talvez sirvam de sugestões, a partir da minha limitada percepção crítica. A meu ver, a idéia do Mateus e da Catarina como apresentadores foi maravilhosa, no entanto, julgo que se esses mesmos personagens teriam mais brilho e mais aceitação do público infantil, dando ao texto um caráter de conotação de história como bem é feito no livro, sem aquele empilhar de folhas digitadas que lhes cobriam o brilho e acabaram comprometendo, relativamente, o show, dando-lhe uma ideia de um ensaio, apenas.
Quanto à apresentação musical, julgo que seria mais interessante e condizente com a proposta que os cantores estivessem TODOS, e não só alguns, caracterizados com o personagem que estavam representando, uma vez que se trata de um trabalho para crianças, e, a compreensão infantil opera mais com o concreto, o visto, e não o subjetivo. Sem contar, também, na expectativa criada no público adulto, em ver e relembrar os sujeitos ali anunciados, evidente que não se esperava um teatro naturalista na sua essência. No entanto, na minha forma de perceber, ali não era apenas um mero show musical; a música estava em função de um contexto maior, por alargar e aprofundar o texto e o resgate histórico que se pretendia dar no final, com o intuito de formar um tecido único, a partir de cada fio ali exposto.
Mas, acredite, meu caro Zé Flávio, nada afetou o brilho da tão inspiradora ideia, a composição e a poesia presentes no tributo ao Beato Zé Lourenço foi realmente encantadoras. Já fico no aguardo do abrir de outras portas, em que espectador e leitor adotando a postura da Alice do Lewis Carroll, adentrem em outros países das maravilhas culturais que sua inspiração como escritor pode e sabe tão bem proporcionar.
2 comentários:
A lombra desta leitura é permanente...
Puro encanto!
Esta avaliação da cena viva do livro bem releva a força da criação coletiva. Algo que não é fácil pois é comum o incômodo da padronização sobre as diferenças ou a dissintonia de tantas vozes. O cariri provou que sabe fazer isso.
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