Não cheguei a conhecer Juquinha, um comerciante do Crato, cuja mercearia na Praça da Estação, além de muito sortida, era muito freqüentada. Conheci seu filho mais velho, Edísio, rapaz muito estudioso, a quem o diretor do Colégio Diocesano, Monsenhor Montenegro, sempre recorria na falta temporária de qualquer professor de Matemática. Na quarta série do ginasial, Edísio foi nosso professor por mais de quinze dias.
De Juquinha, rolavam pelas ruas, bares e praças do Crato, histórias muito engraçadas. Uma delas dizia respeito a Edísio, esse seu filho dublê de professor de Matemática. Naquela época, era costume do povo simples da roça dizer que o filho tinha terminado o primeiro livro, em vez de concluído o primeiro ano primário. Edísio tinha ido estudar em Recife, onde se preparava para fazer o vestibular em engenharia. Dizem que por este tempo, alguém entrara na mercearia de seu Juquinha e lhe perguntara:
– Seu Juquinha, cadê aquele seu filho mais velho, que eu nunca mais vi?
– Homem, Edísio já leu os livros daqui do Crato todos e agora foi ler os livros do Recife.
Contava-se também que um dos maiores sonhos de seu Juquinha era conhecer Fortaleza. Depois de juntar algumas economias, decidiu embarcar sozinho, pois o dinheiro não dava para levar a mulher ou um dos filhos. Então, numa tarde de domingo, tomou o trem, tendo antes o cuidado de comprar o bilhete de segunda classe, por ser mais barato. Acomodou-se na dura cadeira, apoiando o braço na janela, quando da plataforma um freguês da sua mercearia o avista no carro de segunda e indaga- lhe, admirado:
– Mas, Juquinha, você vai viajar na segunda classe?
– E tem de terceira? – perguntou, muito interessado, o econômico Juquinha.
A viagem transcorreu sem nenhum problema até a cidade do Iguatu, onde o trem pernoitava. O mesmo ocorria com o trem que saía de Fortaleza, que também parava no Iguatu e todos os passageiros se alojavam no Hotel Ferroviário, para de madrugada prosseguirem a viagem.
Às quatro da madrugada em ponto, o porteiro do hotel despertava os hóspedes mais dorminhocos, porque, quinze minutos depois, os dois comboios partiriam em sentidos contrários.
Juquinha foi um dos passageiros que fora surpreendido pelo sono e saiu atarantado, à procura do seu trem. Na pressa, não olhou direito qual era dos dois trens que deveria entrar. Aliás, acho que Juquinha nem percebera que havia dois trens parados na estação. Entrou no trem que ia de Fortaleza ao Crato. E seguiu viagem, sem nada desconfiar. Nem a paisagem nem as cidades pelas quais passara no dia anterior fizeram-lhe notar que havia entrado no tem errado.
Finalmente, o trem começa a chegar ao Crato, e Juquinha exclama para o companheiro do assento ao lado, que, para seu maior azar, era um surdo-mudo:
– Como Fortaleza é parecida com o Crato! Até agora não vi diferença alguma nessa tal de capital. Até a ponta de rua é parecida com ao entrada do Crato. Tem até aquela porção de pedra de gesso amontoada à beira da linha.
Quando o trem parou na estação do Crato, Juquinha desceu falando sozinho, para espanto de quantos que o conheciam:
– Vôte, Fortaleza é igualzinha ao Crato. Até a Praça da Estação parece ser a mesma, com estátua do Cristo Rei e tudo o mais. As mesmas árvores, as pessoas parecem que têm a mesma cara dos meus conhecidos lá do Crato.
E Juquinha seguiu pela praça, a esta altura, com um grupo considerável de pessoas no seu encalce, curioso para saber o que se passava com o velho Juca. Finalmente, Juquinha diz outra frase em voz alta, que foi o estopim para o veredicto popular:
– Arre égua, até uma filial da minha mercearia eu tenho aqui em Fortaleza e não sabia. E aquela vendedora que tá lá dentro é vê a minha mulher! – exclamou Juquinha, ao ler a placa do seu estabelecimento comercial: "Mercearia o Juquinha”.
– Juquinha pirou de vez! – diziam uns.
– Ele tá tergiversando. Não diz coisa com coisa – exclamavam outros.
– Ele tá é doidinho da silva – concluía alguém que fora chamar-lhe a família.
Os familiares, ao verem Juquinha, ainda crente que estava em Fortaleza, levaram-no ao posto de saúde mais próximo.
Ao ser medicado por um médico conhecido, teve tempo de dizer, antes que o sedativo que lhe fora aplicado fizesse o efeito esperado:
– Os doutores daqui de Fortaleza são iguaizinhos aos do Crato. Não sabem de nada também!
Extraído do livro “História que vi, ouvi e contei” de Carlos Eduardo Esmeraldo
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