"Quem pensa muito não casa". Quem pensa muito vive cansado. Quem vive o dia, no caminho do sol, tem a esperteza dos mascotes.
Dias chuvosos, nos convidam a permanecer na cama. O apetite é voraz, olhamos menos para o espelho, nos desapaixonamos.
Hoje estou assim, desativada da minha energia natural. Caminho pesadamente, entre o térreo e o primeiro andar, e parece que tenho tamancos nos pés. O céu tem cheiro de lavanda; minha roupa tem cheiro de lama, e perfume do passado.
Escrever ainda é uma boa saída porque oferece passagem de ida e de volta, num vai e vem sem limites.
Visito um recanto, que apenas imagino. Busco o concreto imaginável, já que estou diante da cegueira, no invisível.
Subo no elevador. É o apartamento de um pintor. Respiro terebintina e tintas frescas. Imagino afrescos, e telas espalhadas pelos cantos. O dono está ausente. Viajou com um baú de desenganos, esculpindo pedras no caminho, rasgando a matéria, como se ela fosse molambo, e deixando nela, o produto do seu pranto.
Faço a vistoria, tateando a intuição : um sofá confortável, mas cheio de marcas; sala íntima com cheiro de "vetiver”; um relógio de pulso atrasado; canetas e papéis, numa escrivaninha de cedro; escritos em negrito, uns esquecidos, e outros amassados.
Falei com seu short, largado na cadeira do quarto. Ele olhou para mim meio intimidado, (desconfiou que eu não fosse uma ladra comum, pois de nada dali me apossara, a não ser com o olhar, e o resto dos sentidos) e disse-me:" ele me deixa assim, quando se cansa de mim".
Meu dono viajou. Ele sempre volta com um sorriso enfadado, e um brilho novo no olhar.
Sai do cenário. Não olhei em volta, nem fui até a janela, descobrir em qual cidade estive. Desprezei a personalidade física de um lugar, provavelmente conhecido.
Um comentário:
Lindo texto, Sauska, bem marcante da sua lua em Câncer.
xêro
Postar um comentário