Teve um tempo que a vida era tão suprida por esta cidade que uma simples canção popular como “sentado à beira do caminho” me dava uma solidão de abandonado como se nunca mais houvesse uma porta de casa para retornar.
Algum tempo passado, já noutra cidade, minha companheira da vida atendeu uma avó e sua neta que iria vacinar-se. Cumpria o calendário infantil obrigatório. Ao anotar o nome da criança, a atenção dela voltou-se para avó: se ao invés de atendê-la fosse meu marido ele estaria aqui feliz da vida. A avó iluminou-se desde sua linda cabeleira até o mais distante de seu ser. Queria saber quem era aquele fã, de onde viera, como vivia. Ao contar-me, o sucedido lembrei-me da música “beijinho doce” na voz da célebre atriz da chanchada Eliane em dupla com aquela avó no acordeom: Adelaide Chiozzo.
Os americanos deram sucesso a cantores de vozes suaves, que interpretavam músicas românticas como um violoncelo. Entre eles Perry Como, em dupla com Chet Atkins, cantando “and i love you so”. Os brasileiros tiveram muitos iguais, a lembrar um cantor que brincou e não gravou tanta coisa romântica, mas surpreendia com aquelas canções de chacota com uma voz tão suave, feito “joão bobo”, “farinhada” na voz de Ivon Cury. Tempos depois, ali na Rua Constante Ramos, onde morávamos em Copacabana, sempre o encontrava na porta de sua casa noturna: Sambão e Sinhá. Ele nos cumprimentava com um sorriso tão amplo e simpático que lembrava o antigo presidente do Brasil: JK.
Igual pareceu-me a noite passada que jamais ouviria composições novas com o mesmo conteúdo daquelas canções. São outros tempos, os artistas já não têm importância, agora tudo é um produto de mercado como Lady Gaga, completo por uma empresa produtora, em que o papel principal, quando existe, apenas é uma peça.
“I am so hurt” tão puxado nos fluxos de ar das cordas vocais que a voz aguda de mulher se debulha em grãos de tons graves e um tanto roucos, como se existissem apenas para seduzir os homens. Timi Yuro com este nome oriental e uma voz de cantora de jazz negra.
Igual a voz rascada, quase debochada, não sei se era ou apenas o era por que assim existia, de Hurricane Smith. Este nome de cowboy que nasceu nos idos da década de vinte do século passado e evaporou-se do mundo por volta de 2008. E foi no remoto ano de 1971, quando a consciência ecológica explodiu igual ao feminismo e ao comportamento sexual livre que ele gravou esta canção: “D´ont let it die”.
Ao lado da montanha,
A flor a crescer.
À margem do rio,
Onde a água flui para sempre.
O mistério da vida na floresta
A longa e graciosa história da vida na terra.
Não deixe isso morrer.
Não deixe isso morrer.
A liberdade do tigre,
Do canguru,
Depende de mim,
E depende de você.
O que vemos é o que escolhemos,
O que mantemos ou perdemos para sempre
O mundo é nosso para chorar por ele
Mas, e se é tarde demais para recomeçar?
Não deixe isso morrer
Não deixe isso morrer
Ou dia adeus, amém.
Ou dia adeus no fim.
por José do Vale Pinheiro Feitosa
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