A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE BRUNO PEDROSA
Onde o Vêneto começa seu abraço aos alpes dolomitas, vive um
artista plástico corre-mundo, que hoje navega o abstrato pictórico, mas foi nas
sinuosidades, ângulos e ilusões da tridimensionalidade que se descobriu. Após
formar-se na Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, é aquele joio que fica
das levas de formandos que desistem ou escondem suas obras em guardados. Ele
viveu, vive e viverá até o fim dos tempos levando o pão para casa do valor de
mercado de sua arte.
E para compreender os séculos gestados a partir do
Renascimento, o Bruno Pedrosa é um espécime em amostra. Não por ser quase
italiano, ou por artista plástico, mas pelo que aquele movimento fez ao buscar
no passado uma bússola para abrir novas, inimagináveis e interditadas trilhas
da alma.
Séculos que carregam simultaneamente a ousadia
iconoclástica, a inovação, o questionamento do posto ou a revisão da realidade
ao mesmo tempo em que se veste de corpo e alma com o arcaico que sua passadas
derruba. Nascido e alimentado numa longa mesa patriarcal, com 32 assentos, no
sertão do Riacho do Machado no Ceará, com as barbas e cabelos de profeta, Bruno
Pedrosa é o tipo humano dos nossos séculos
renascentista-iluminista-técnico-científico.
E este caleidoscópio de eras, das dimensões imperiais, dos
fragmentos civilizatórios e localidades culturais resultou neste associativismo
abstrato. Em que o obscuro é parte essencial da luz. Da realidade multiforme e
por isso mesmo sensível.
Nos últimos quarenta anos do século XX, numa cidade típica
do mais profundo interior nordestino, localizada no centro geodésico do
Nordeste, ali se desenvolveu o coletivo daqueles séculos. Uma cidade ajoelhada
aos séculos coloniais com os olhos brilhando para as luzes inovadoras que
piscavam nas publicações jornalísticas, nas ondas da Rádio Araripe e nos fótons
projetados na tela dos cinemas.
E foi numa peça automotiva do pós-guerra, um jipe com tração
nas quatro rodas, que Bruno Pedrosa, poderia ser Raimundo, Pinheiro ou Campos,
assistiu à explosão da sedução. Uma jovem cratense ganhara o título de Miss
Ceará e iria para a disputa nacional. E a cidade comemorou igualmente com já
fazia com Antonio Corninho um transeunte das ruas.
Não é para esticar. Mas Antonio Corninho era no Crato a
representação da modernidade com adereços do arcaísmo. Pela rua central de
comércio as senhoras das honradas famílias faziam compras nas lojas chiques.
Era o ambiente de exposição da sociedade, da elite da cidade. E por ela também
passava Antonio Corninho e os gaiatos gritavam: Antonio Cornin! Comunista! E Antonio Corninho fazia descer do mais
intenso arcaico uma profusão de palavrões suficientes para abalar até os
cabarés do Gesso.
Então puseram a Miss em pé, ao lado do motorista, no jipe
sem capota, se movendo pelas ruas principais da cidade. Apinhadas de gente,
fogos espocando, sorrisos largos e a miss desfilando a glória da beleza.
Especialmente para Bruno Pedrosa, então uma criança beirando a adolescência.
As famosas misses das capas da revista O Cruzeiro,
desfilavam em vários trajes. O escolhido para o desfile no Crato foi aquele de
banho na piscina. Um maiô colante que expunha todos os centímetros da perfeição,
dos cabelos até as unhas pintadas dos pés, passando por toda vibração erétil do
corpo da juventude desbragada. E ali Bruno Pedrosa.
Que já manifestava seus pendores para o desenho. E com
pedaços de gesso de um conserto da vizinhança, desenhou aquele corpo sensual,
de maiô, desfilando num jipe no cimento da passarela que atravessava o jardim
da casa. A casa de uma tia carola e violenta que, segundo o sobrinho, quando
apresentou as credenciais ao chefe do fogo eterno, recebeu deste uma pequena
gleba para ali implantar seu inferno particular e fora dos domínios do decaído.
O cimentado, da miss desenhada, foi esfregado, raspado,
tomou banho de ácido, até que nem lembrança restasse daquele pecado mortal do
lembrado adolescente. Foi um prazer interrompido. Assim como ser pego no auto
prazer solitário e por escândalo surgirem vituperações de todas as injúrias
possíveis.
Acontece que segurar a era de Bruno Pedrosa, é igual segurar
a água líquida pela mão. É uma era amoldável aos continentes, mas capaz de
drenar, pelas falhas estruturais existentes em todos os contidos. Logo estava
Bruno na fazenda do pai. Na redondeza pessoas moldando telhas para depois
queimar no forno como uma cerâmica.
E com a telha moldável, a argila ainda mole, Bruno Pedrosa
desenhou a miss sedutora sendo conduzida naquele jipe na representação do alazão
do prazer. Um tio viu aquilo e encantou-se qual o sobrinho. Mandou queimar a
telha. Pôs a dita com a face desenhada para baixo, do alpendre, bem na mira do
seu olhar quando deitado na rede usada para sonhar.
E ali ficou anos sem fim exposta aos olhares admirados por
aquela primeira exposição de uma obra de Bruno Pedrosa.
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