J. Flávio Vieira
Nas últimas semanas, o
Crato se viu assaltado por uma onda de seguidos suicídios. Alguns deles em
pessoas jovens que deviam carregar nos olhos o dourado sonho da existência. Este ato extremo, que leva pessoas a fugirem
pela porta dos fundos, põem toda a cidade em polvorosa. Parentes e amigos
jamais tirarão da mente um certo sentimento de culpa : -- Eu poderia ter
pressentido os primeiros sintomas e , quem sabe, evitado a catástrofe ! Os
conhecidos e transeuntes embebem-se num certo blues, como se perguntassem : o
que há de errado neste mundo que ninguém o suporta sem algum tipo de anestesia
?
Longe de ser
um questão meramente doméstica, os suicídios alcançam, no mundo, segundo a
Organização Mundial de Saúde, quase 900.000 mortes ao ano. Este valor numérico
, pasmem vocês, ultrapassa as mortes por guerras, os homicídios e desastres
naturais somados ! E, o pior de tudo, desde a década de 70, os suicídios cresceram
mais de 60 % e, ultimamente, têm tomado um vulto totalmente inesperado.
Acredita-se que a crise econômica global possa ter contribuído para o aumento.
O desemprego, o arrocho salarial, principalmente em países europeus, a instabilidade
da economia em nações outrora prósperas, impulsionam o desencanto junto à
juventude. Acredita a OMS que a urbanização desenfreada , certamente, tem
exposto a população às agruras e estresse das cidades e megalópoles. Desde 2010,
pela primeira vez, a maior parte da humanidade vive em zonas urbanas e não nas
rurais. Deixamos o campo e sua plácida
tranquilidade,’ para a violência da rua, do trânsito, a competição terrível no
mercado de trabalho. E mais que tudo, perdemos a identidade e passamos, na
cidade grande, a ser apenas um número, no meio da manada, com a clara sensação
de que corremos em disparada para o abismo logo à frente.
Estudos
têm demostrado que os laços sociais são fortes aliados na prevenção dos
suicídios. Amigos, namorados e namoradas, parentes, esposas, maridos, filhos, companheiros de trabalho e de
farra são os liames imprescindíveis que nos prendem à vida e lhes dão algum
significado. Estudos feitos nos EUA demonstram que quase metade dos adultos se
consideram solitários e este preocupante percentual é exatamente o dobro da
década de 80. Este isolamento proporcionado pela urbe , certamente, estaria impulsionando os casos de depressão
responsável esta por mais da metade de
todos os suicídios.
Basta
refletir sobre os destinos da modernidade , para se perceber que nós mesmos
destilamos nossa própria cicuta. As pessoas fogem dos relacionamentos sérios,
como o trombadinha da polícia. As relações passaram ser na sua maioria
transitórias e eventuais : amizades coloridas, rolos, ficas. Mulher ou homem
que consiga uma certa ascensão econômica prefere a cueca ou calcinha do
parceiro na cadeira, nunca no guarda roupa. Casamentos se dissolvem como gelo
em Teresina: a primeira cara feia, o primeiro bate-boca ou arranca –rabo é
motivo para o divórcio. Já há incontáveis casais que simplesmente optam por não
ter filhos, sob a alegação de que atrapalha demais e dá muita dor de cabeça. A
explosão da comunidade global fez com que a comunicação ficasse, aparentemente,
mais fácil, mais rápida com o
Smartphone, a Internet, o WhatZapp, as Redes Sociais. A tecnologia aproximou
absurdamente os distantes, mas afastou terrivelmente os próximos. Nas rodas de
bar , já não se conversa: se tecla. Passamos a ter incontáveis amigos virtuais,
mas praticamente deletamos os amigos reais. O Curtir substituiu o bate papo, o
olho no olho, o toque, o abraço. Não bastasse isso, a vida profissional se
tornou um verdadeiro campo de guerra. Já não temos companheiros mas competidores.
O objetivo de todos é o mesmo do Flamengo : vencer, vencer, vencer. Como em toda maratona
poucos vão ao pódio e muitos são os derrotados. Viver é consumir e aí daqueles que ferirem esse
mandamento básico. De repente, uma grande turba percebe-se só no mundo
aniquilada : sem família, sem amigos, sem agregados, sem companheiros. O parto atravessado da vida não se suporta sem
anestesia: álcool, lexotan, tabagismo, cocaína, fanatismo, religião, moralismo... A solidão no meio da turba talvez seja a mais
cruciante solidão. Vale a pena continuar a jornada ?
Há
algo errado na viagem, quando tantos desembarcam antes da estação final. É preciso mudar o roteiro, aproximar o grupo
de viajantes para que possam dividir a estafa do caminho e desfrutar juntos a
paisagem que passa definitiva na janela. Como o trem segue
sempre para o descarrilamento inevitável,
o companheirismo, a solidariedade, a
amizade , no final, serão a única atração verdadeira do nosso roteiro
turístico. Não dá para viver sozinho, nem existe felicidade individual. São as
nossas relações interpessoais que nos atam ao vazio da existência. Só temos
duas opções neste mundo : o acordo ou a corda.
Crato, 08/10/14
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