por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

AS DUAS VEZES QUE TIVE CERTEZA QUE IRIA PARA O INFERNO - por José Almino Pinheiro


Por duas vezes, durante boa parte da minha adolescência, convivi com a certeza que estava condenado, de que iria diretamente para o inferno, não tinha direito nem a uma pequena parada no purgatório, seria uma viagem sem escala, direto para o fogo eterno.
A razão disso não era os pecados por ventura cometidos, esses pecados eram resolvidos nas confissões semanais. O grande problema se devia a minha incapacidade de compreender alguns mistérios da religião, principalmente os Dogmas de Fé: A Santíssima Trindade, A virgindade de Maria, Imaculada conceição de Maria, a Infalibilidade da Igreja etc. São muitos os dogmas, apesar de ter problemas para compreendê-los, tinha, e ainda tenho, simpatia pelo Dogma do Juízo Final. Lá tudo será passado a limpo, e me deleitava em imaginar alguns conhecidos pecadores tentando justificar a São Pedro o que estavam fazendo no cabaré de Glorinha, após comungarem na missa dominical.
Algumas vezes cobrava a meus pais e tias, ou à nossa professora de religião uma explicação sobre os dogmas, mas as respostas eram sempre vagas e repetidas, de que eram Dogmas de Fé e que para ser bom cristão, era necessário acreditar. Não compreendia como era possível que meus irmãos, primos e muitos da família, não demonstrassem preocupação a respeito dos dogmas. De forma que comecei a suspeitar que a incapacidade de compreendê-los era falha minha, só podia ser castigo, era prova da falta de religiosidade, portanto o merecido passaporte para o inferno.
Quando criei coragem e expliquei o problema da minha incapacidade de compreender os dogmas ao padre Frederico, vigário da Paróquia São Vicente, o qual me batizou e, portanto, me salvou de um dos Dogmas, o do Pecado Original. Podia confiar no padre, era um dos poucos em quem podia externar esse tipo de dúvidas. Não brincava, simplesmente disse, para acalmar meu juízo, que esses eram assuntos complicados e que só seria entendido quando chegasse na idade adulta, que tivesse paciência, pois Deus estava tomando conta do assunto. Com o problema entregue a Deus, tive segurança de que, pelos dogmas, não mais iria para o inferno.                                                                                        

A segunda vez que estive a beira de seguir viagem diretamente para o inferno, mesmo antes de morrer, foi quando chegou da Alemanha uma pequena estátua de uma santa muito bonita e que foi instalada em um dos altares laterais da Igreja São Vicente. Foi paixão instantânea, a santa com seu manto de pano azul, transmitia muito bondade, meiguice e beleza. Era admirada por todos, o que me causava preocupação de ciúme. Junto com a paixão, a paranóia ia aumentando quando cismei de ver as intimidades da santa. Sabia que dessa vez tinha exagerado, As portas do inferno estavam abertas, faltava apenas o deslize final, que era levantar a saia da santa. Se assim fizesse, imediatamente se abriria um buraco e eu seria tragado para as profundezas do inferno. 
Foram meses de dúvida, se olhava ou não as pernas da santa. Até que um dia, vencido pala curiosidade, conformado que iria para o inferno, o coração aos pulos e todo suado, criei coragem a levantei o manto da santa. O buraco não se abriu, e qual não foi minha surpresa e decepção quando vi que não existia corpo algum, a santa se resumia a uma estrutura de madeira onde foram fixadas a cabeça e as mãozinhas o resto era completado pelo arranjo do manto. Apesar do fiasco como voyeur de santa, sentia que tinha cometido um grave pecado, e deveria ajustar contas me confessando de tamanha falta de respeito. Mais calmo, depois de alguns dias procurei o padre Frederico e contei toda a história. Ele muito sério ouviu tudo, levantou-se calmamente, levando junto a minha orelha e disse que a coisa era grave, que iria pensar e orar, teria comigo uma conversa muito séria para o dia seguinte. Largou minha orelha e saiu rapidamente da sacristia, mas ainda deu para ouvir uma sonora gargalhada. Como a tal conversa nunca houve, deduzi que estava salvo. 

Um comentário:

Stela disse...

Eita Zé, traz mais histórias assim. Muito divertidas depois que passou o seu inocente aperreio, dá pra gente rir mesmo. E olhe que, como você, muitas e muitas pessoas pecaram e temeram o inferno. Ainda bem que tinha o padre Frederico, né?