por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Berro



J. Flávio Vieira

                                               A  Expocrato, nos seu sessenta anos de existência, tem dado seguidos exemplos da sua vitalidade. Não existe um evento, no interior do Ceará, que  rivalize com a pujança da nossa festa de julho.  Com o passar do tempo, também, se foi solidificando mais seu ramo de entretenimento e se relegando, por outro lado, a do agronegócio. O certo é que a Expocrato congrega e atrai um sem número de cratenses legítimos e adotados e, a segunda semana de julho, termina por se tornar um verdadeiro Congresso  para onde acorrem visitantes, turistas e filhos da cidade espalhados pelo Brasil afora. Batida a poeira da festança, nos últimos anos, abre-se intenso debate sobre a permanência ou não do Parque no seu sítio tradicional. Há proposta antiga do Governo Estadual , administrador do Parque e do evento, pela  transferência para um local mais afastado do miolo da cidade, opinião corroborado hoje, pela atual administração municipal. Do outro lado, há um forte movimento de tradicionalistas e alas políticas de oposição pela manutenção da Expocrato, no lugar onde sempre aconteceu, onde se solidificou e onde arrancou o seu indiscutível sucesso.
                                               Pois bem, amigos ! Um cronista rabo-de-galo como eu, não pode se omitir e fugir de polêmica tão palpitante. Permitam-me pôr minha colher-de-pau nesse angu de caroço. Entendo que o nosso sexagenário Parque de Exposições, no centro da cidade, onde sempre se encontrou, parece bem acolhedor e de fácil acesso. O Crato, no entanto, transformou-se vertiginosamente nestes últimos sessenta anos. Em 1953, quando o Parque foi construído, a Cidade terminava na altura da Rádio Educadora, a partir dali, era uma grande fazenda , não existiam os bairros : Pimenta, Sossego, Grangeiro e o Lameiro mostrava-se como uma sucessão de sítios, com atividade absolutamente rural. O Crato cresceu e, hoje, o nosso Parque está encravado no Centro da Cidade. Os distúrbios e atropelos em julho não inevitáveis. Os engarrafamentos  lembram aqueles das  capitais; estacionamento a preços estratosféricos são quase impossíveis de se encontrar; o som ensurdecedor dos shows de péssima qualidade perturba o sono dos moradores de toda a Vila de Frei Carlos , uma verdadeira afronta aos pacientes do Hospital São Francisco próximo e às almas do Cemitério Nossa Senhora da Piedade  defronte, a quem se deseja tanto repouso eterno, sem falar na agitação que causa nos animais em expostos . Não esquecendo , ainda, os dissabores típicos do pós-evento : proliferação de moscas e muriçocas,  principalmente por conta da sempre deficiente coleta de lixo. Acredito, assim, mesmo estando exposto à sanha dos “amantes mais verdadeiros  do Crato”,  que a mudança , para uma área mais rural , não é só necessária, mas imperiosa.  O espaço extenso  e valioso,bem que poderia ser transformado num parque urbano, no coração da nossa vila, para o gáudio dos seus habitantes, como o Ibirapuera em São Paulo.
                                               A discussão  sobre a transferência ou não do parque,em meio às paixões de lado a lado,  no entanto, tangencia outras ponderações que me parecem mais importantes e pertinentes. Vou elencar algumas  perguntas que não querem calar. A Festa de caráter público, patrocinada pelo Governo Estadual, foi , praticamente, terceirizada. Os espaços são vendidos a preços extorsivos, alguns acima de R$ 10.000,00,  levando a que os preços dos produtos alimentícios e bebidas ali comercializados sejam um verdadeiro acinte à economia popular: latinha de cerveja a R$ 6,00, Caldos a R$ 8,00, tapiocas a R$ 6,00. Estacionamentos cobrados a  R$ 20,00, com pagamento antecipado. No espaço dos shows, além dos ingressos, mesas estavam sendo comercializadas pelas barracas. A qualidade dos alimentos vendidos a preços astronômicos  não passaria numa mínima inspeção de Vigilância Sanitária. Qual o interesse do Estado em cobrar  preços tão extorsivos, se todos já pagamos fielmente nossos impostos ? Isso não arranca da ExploraCrato , como já vem sendo chamada, toda a sua possibilidade de festa realmente popular ?  Uma outra pergunta : A terceirização de todo o espaço destinado aos shows  não é mais uma agressão ao bolso do contribuinte? Não é por isso que só se contratam shows de massa , sertanejos e bandas de forró, excluindo, totalmente grande parcela da população da festividade?  E mais: o Estado, assim, não se está omitindo, totalmente, de fazer Política Cultural ? Os artistas importantes do Cariri foram totalmente alijados da festa  de alguns anos para cá, hoje ainda se apresentam no palco da URCA, mesmo assim só até às 23 horas, quando chega uma ordem para parar tudo, para não prejudicar os péssimos shows que começarão acontecer  no espaço pago . Por que mesmo as barracas externas que pagaram preços extorsivos não podem apresentar shows alternativos além das 23 horas? Algumas sofreram pressão da polícia e tiveram a energia cortada pela desobediência.  Muitos cratenses fugiram para o Festival de Inverno de Garanhuns onde assistiram a shows de Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Zeca Baleiro, absolutamente abertos e grátis. Isso em apenas um dos palcos, havia inúmeros outros: de Cultura Popular, do Mangue Beat, de música Gospel. O orçamento do FIG foi de mais de cem milhões de reais, conseguidos em projetos  com a Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil , a Secretaria de Cultura do Estado  de Pernambuco. Por que não trilhamos os mesmos caminhos ? Será que interessa aos organizadores ter uma festa realmente popular e menos excludente ? Pelo andar da carruagem acredito que será questão de tempo começar-se a cobrar pela entrada no Parque principal, como , inclusive, já vem sendo feito com o “Berro”. Quem viver, verá !  Um outro ponto importante de discussão  é o que fazer do Parque ( velho ou novo), nos outros 358 dias do ano. Ficará parado, sem outra utilidade, para ser usado apenas  no ano subseqüente? Como utilizar uma área  tão agradável e importante  de maneira mais contínua e inteligente ?
                                               Imagino que todas estas questões são bem mais pertinentes de serem discutidas de que apenas a mudança ou não do local da nossa Expocrato.  De nada adiantam investimentos vultosos , se antigos erros continuarem a ser cometidos. Estamos , talvez, já tentando escolher o túmulo mais bonito e vistoso, sem sequer discutir se o moribundo  não teria  alguma possibilidade de  cura.

2 comentários:

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...


Parabéns pelo texto. Na semana da Exposição rascunhei algo parecido num outro Blog e fui bombardeado pelos que desejam que a coisa continue. Confesso que partilho do mesmo ponto de vista. Numa tarde de exposição, para me deslocar de carro da Praça Siqueira Campos à praça da Maternidade, demorei mais de meia hora, tamanho o "engarrafamento".
Parabéns também pelo excelente livro!

Dedê disse...

O Pior de tudo é que um grupo que não quer a mudança da Expocrato, taxam a todos que tem opinião contraria de "TRAIDORES". Quem está traindo quem??
Pensamos o crescimento da URCA naquele local e pensamos um parque organizado.
A discussão unilateral não vai levar a nenhum crescimento.