por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 10 de julho de 2013

O Ômega 3 no óleo de peixe das águas geladas - José do Vale Pinheiro Feitosa

Vá que as meizinhas de nossas rezadeiras, os chás de nossas avós, os rituais dos xamãs não se enquadrassem no script exato da racionalidade e da pesquisa científica cujas dúvidas e assertivas a maioria segue. Mesmo assim seja por rejeição ao modelo comercial vigente, seja por acreditar mais nas coisas naturais do que industrializadas ou seja pela profunda umbilicação com o tempo da cultura, a verdade é que muita gente aceita as curas tradicionais.

Em parte há uma desconfiança bastante razoável com as práticas enganadoras, de fetiche da mercadoria, da promessa da panaceia entre médicos e laboratórios, entre profissionais de saúde e a estratégia de “vender mais e melhor o seu peixe”. A febril mercantilização da saúde se tornou na patologia e na insanidade subjacente e ameaçadora a requerer mais e mais gastos diretamente do bolso das pessoas.

Revistas, programas de televisão, especialmente no horário das famílias, seja de manhã para atingir as mulheres em casa ou aos domingos no Fantástico, vivem de apresentar “estilos”, “técnicas”, “medidas”, “necessidades” de coisas novas e desconhecidas sem as quais não haverá amanhã para ninguém. É uma prática enganosa, irresponsável e sem validação externa que garanta a responsabilidade científica de tudo isso. Mas conseguem o efeito: gera uma demanda permanente nas famílias.

E pensei nisso tudo ao atravessar de barco a distância entre a ilha de Chiloé e o Continente numa região ao sul do Chile. E pensei não apenas com a dinâmica intelectual. Pensei por intenso estímulo olfativo. Um fedor de carnes apodrecidas, com olores de animal oriundo do mar que se expandia por todo o ambiente do barco e penetrava o carro, apesar dos seus vidros fechados.

Fedia como fedeu o e-mail que uma colega médica recebeu de outra profissional. Esta última enviou um e-mail indignada para um conjunto de colegas com uma reclamação que torna grave a mercantilização da medicina no Brasil. E olhem que o mal cheiro no barco da travessia vinha de uma grande carreta com enorme carroceria em forma de baú. O caminhão ficava um pouco depois do nosso carro. Era um caminhão perfeitamente legal, destes que rodam todas as estradas do mundo levando mercadoria de um para outro lugar.

Ao ler o e-mail daquela colega, minha amiga viu estarrecida que aquela denunciava a ameaça que tinha recebido de um representante de laboratório que dizia o seguinte: a nossa auditoria interna identificou que a senhora não tem prescrito o nosso medicamento e que, ao contrário, tem feito escolhas pelo medicamento do nosso concorrente. Isso não fica bem pois acabamos de oferecer um cruzeiro marítimo para a senhora.

Imediatamente me veio a comparação entre a carga podre daquele caminhão em Chiloé na travessia do Catamarã e o Transatlântico carregado de médicos às expensas de um laboratório. Tudo transpirava o mesmo odor, e a médica havia suspeitado daquilo tudo. Ela era matéria prima para o lucro da Indústria Farmacêutica. E mais revelador ainda, com uma suspeita digna de um Snowden: como a empresa tomara conhecimento da prescrição da médica? Teria controle das farmácias ou das informações geradas pelas receitas controladas para a Vigilância Sanitária?

E tudo poderia se voltar ao Xamã quando ele ainda não fora aprisionado ao “mercado” como aqueles panfletos que vendem a “Madame” que traz o namorado de volta. Acontece que o Congressos dos profissionais de saúde são máquinas dos laboratórios e da indústria de equipamentos. Não são congressos científicos, são feiras para vender produtos. Assim como as ofertas para ouvir de graça um grande especialista pago pelo laboratório e logo em seguida um bom jantar num caro lugar.

O caminhão que fedia na travessia entre Chiloé e o Continente estava com carga plena de vísceras de salmão. As vísceras iriam para uma indústria multinacional que alguns meses depois estaria com seu produto devidamente embalado e tornado atraente nas prateleiras das farmácias do Brasil. Assim como os profissionais de saúde que se imaginam dominando o processo do seu conhecimento.


Logo de manhã despeja-se na palma da mão para que possa ser enviado diretamente à boca e em seguida deglutido com um copo de água. Aquela capsula dourada do óleo de salmão. O óleo do peixe das águas frias: criado em cativeiro, comendo ração e enganado para ovular.    

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