O poder do acelerador é
a soma da energia motora, do domínio das ruas e da esmagadora força sobre os
pedestres. Com o acelerador encurta-se o tempo do deslocar-se no espaço e por
ele a volúpia da velocidade encanta todo o corpo e a sensação de liderança
sobre tudo, sobre todos e por sobre todos.
Tanto poderia ocorrer
com um homem ou com uma mulher. Vamos escolher uma motorista do sexo feminino à
espera que o sinal de trânsito, de uma rua de botafogo em frente à Favela do
Morro da Dona Marte lhe desse passagem. E o sinal de trânsito abre todo o ímpeto
quase medular, automático em vontade de acelerar e tomar a dianteira sobre as
ruas.
Mas eis que um velho
com ares resoluto, e seu olhar opaco, cabelos ralos com raízes brancas e as
pontas pretas; com sua boca murcha e desdentada, resolve atravessar neste exato
momento em que o sinal abre-se para a motorista.
Imediatamente uma
revolta com força de uma manifestação de “vândalos” toma conta dos direitos de
acelerar da motorista. Ela olhando aquela cena de um velho desprezível, com
roupas surradas, um passo trôpego, arrastando um carrinho de compras no seu
lento deslocar-se.
O seu ódio ao feio, aos
velhos, aos brasileiros que nunca dão certo. Aquele velho jamais seria uma
norte-americano ou um europeu. Seu sangue de bem sucedida com o pé no
acelerador do seu luxuoso e potente URV sente-se ultrajado por andar num território
que tem um velho desdentado, insignificante, interrompendo o trânsito.
Afinal isso acontece
numa bosta de país como esse. Ainda bem que o gigante despertou para dar um
basta a tudo que está aí.
Virando a página noutra
esquina. No queridíssimo Leblon. Tudo clean, inside, New York, Paris e as
noitadas alagadas de luxo e prazeres. O mesmo pé sobre o acelerador e outro
sinal a abrir-se para a motorista.
Um garotão dourado de
praia, os músculos intumescidos como genitálias em permanente efeito
pornográfico. Aquelas pernas de abarcar o mundo e aqueles braços de virar o
prazer pelo verso e reverso. Aquela promessa de prazer barra a iniciativa do
acelerar e atravessa a rua como um felino carregando uma prancha de surf num
evoluir rápido demais para o prazer da visão.
O mundo é esse. A
felicidade é essa escolha. Não importa a vida e nem o ser humano. Só o poder de
acelerar e os fetiches de consumo.
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