por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 15 de junho de 2013

Os Lagos Andinos e sua Travessia - Parte 2 - José do Vale Pinheiro Feitosa

De Peulla, após a burocracia da emigração chilena, se atravessa uma grande fazenda que cria Llamas, Alpacas, Carneiros e Bovinos e daí se toma uma via estreita subindo os Andes. Passando em diversas cachoeiras, rasgos de rios descendo algum declive suave da montanha e sobre seus leitos, por vezes, o Condor sai das alturas vem com sua envergadura de asas espetaculares a planar o vale em busca de comida.

Neste vales estreitos a noite sem lua apaga todos os traços do conhecido. O viajante em caminhadas perde a trilha e se toma de uma perdição gelada e úmida que pode minar o ânimo de sua existência. Nas montanhas com vegetação densa e sempre verde, apesar do frio, habitam animais maiores, inclusive o puma. Que se satisfaz com o que tem nas alturas, mas na escassez, desce até aos vales em busca de presas nas fazendas. Um viajante perdido não se exclui deste cardápio, embora não se tomem notícias entre os guias turísticos de que tal aconteça. Só o cuidado com as possibilidades.

Os micro-ônibus são aparelhados por sistemas de rádio para avisar que transitam a estreita via que sobe a montanha em direção à fronteira com a Argentina. De tão estreita é impossível cruzar veículos, mas apenas os veículos com os empregados no negócio do turismo funcionam. Aliás esta travessia começou a ser feita à pé, no início do século XX, por europeus que pagavam ao dono da fazenda que funcionava em Peulla. Por isso surgiu o negócio da travessia e do hotel em Peulla.

Mais de um século após ainda é um negócio da mesma família que é de descendência suíça. Os barcos, os hotel, os ônibus e micro-ônibus, além de guias, pilotos e motoristas e todo o pessoal de serviço. A família tem uma casa numa ilha no lago Todos os Santos e quando os barcos passam em frente a ela, tocam a buzina em homenagem ao fundador. É um ritual seguramente tradicional, mas hoje é mais para turista saber da história da família. Na travessia até Peulla de vez em quando um pequeno barco a motor encosta no barco maior com a finalidade de trocar passageiros que embarcam e desembarcam. Inclusives empregados do hotel que vivem às margens do lago.

Entra-se no território migratório da Argentina pelo Lago Frias, uma pequena bacia navegada em meia hora. Desce-se em Puerto Alegre e de micro-ônibus chega-se a Puerto Blest. Neste porto o turista já se encontra num dos maiores lagos andinos. O lago que deu vida econômica a San Carlos de Bariloche. Um lago imenso, o Nahuel Huapi, que fica a 764 metros acima do nível do mar, tem uma superfície de 55 mil hectares e uma profundidade conhecida de 454 metros. Ou seja quase meio quilômetro na parte mais funda.

De Puerto Blest até Llao Llao, onde existe um dos hotéis mais caros da América do Sul, o catamarã leva quase uma hora e quarenta minutos. Navegando o lago pelas margens de verdadeiros fiordes e durante a travessia as gaivotas pousam no barco para se deixarem fotografar bicando, em pleno vôo, biscoitos que os turistas deslumbrados põem na ponta dos dedos. De Llao Llao até o centro de Bariloche o ônibus leva meia hora.

Enfim Bariloche que projetou-se como uma moda de deslumbramento de novos ricos brasileiros é de fato uma paisagem, uma viagem ao universo montanhoso das saudades seculares que a sociedade dominante da Europa nos impregnou. Neve, lagos, jardins floridos, casas em encostas de morros, lareiras, gramados e campos desenhados por montanhas e animais.

À noite, num restaurante alemão, um salto de dentro para fora do universo consumista que soterram os turistas. Um descendente de alemães tocando um acordeon magnifico e solando canções de todo mundo. As melodias que fizeram o mundo entre os anos 30 e o final do século XX. Até o nosso Luiz Gonzaga em seu voo internacional com seu Assum Preto se ouviu junto com tangos, canções americanas, francesas, alemãs, italianas e o nosso Brasil de Ary Barroso.

Ali um bom vinho de uma vinha a que os argentinos chamam de Bodega del Fim do Mundo que dá fantasia à Patagônia e o fim do continente. Sem deixar de falar no prato que era um Carneiro Patagônico, na verdade pedaços assados da junção da costela com o espinhaço. Muito gostoso. Feita a fantasia completa. Faltava atravessar os Andes de volta ao Chile, passando pelas alturas onde todo o relevo se encontrava encoberto por uma camada de areia branca que foi oriunda do vulcão Puyuhue.

Recordemos. No final de 2011, não a cratera principal, mais pequenas crateras ao redor do Puyuhue lançaram cinza na alta atmosfera a ponto de causar problemas na aviação sobre a cidade de Porto Alegre e em Buenos Aires. O pessoal de Bariloche diz que por volta de 4 horas da tarde fez-se noite e no céu escuro aconteceu um tempestade elétrica com raios aterrorizando a escuridão das cinzas que caíram sobre a cidade em grossas camadas, irritando olhos e causando problemas respiratórios. 
  
De volta ao Chile e uma conversa com o motorista numa visita à Ilha de Chiloé lhe dizendo que os Argentinos não pronuncia Lla Llao como os chilenos que diz Jao, Jao, mas Xao Xao, além de que tínhamos tomado vinho da Patagônia e comido carneiro da Patagônia. Pronto restabeleceu-se a guerra do Canal de Beagle: o chileno desfez a fantasia que tais coisas fossem da Patagônia a milhares de distância de Bariloche além de falar onde a melhor pronúncia do Espanhol havia na América do Sul. Não era argentina certamente, embora admitisse que tampouco chilena. 

Afinal a grande viagem é uma curtição no verdadeiro sentido do curtume. O negócio do turismo é uma venda comercial com as disputas de fantasias. O melhor, o maior, o primeiro, o mais belo, o mais emocionante, o mais engajado, o mais romântico, o mais luxuoso. A fórmula ainda funcionará por muito tempo até que se descobra o verdadeiro sentido do viajar sem turismo.


Encontrar-se no mundo, neste mover-se do tempo e do espaço. E, desgraçadamente hoje é um encontrar-se em circunstâncias filosóficas e históricas que emparedam ou melhor, cegam o existir para a paisagem fora dos marcos do princípio e do fim. Quando os campos forem realmente parte da viagem ela será uma não viagem. Ou melhor, não será de recreio, mas do viver. Não será esta viagem para fora da existência com a promessa do céu. Será a viagem no “céu” da existência. E não obrigatoriamente na posição de lótus sem sair do lugar. Se temos pernas para que as quero?

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