Entre o céu e a terra
há uma estrada de sofrimento e morte. A terra onde eclodem os ovos e se tornam
vida no ambiente das nascentes dos rios ou dos lagos gelados das altitudes. E
quando a adolescência alonga seu corpo sai das terras altas numa viagem a favor
da correnteza até as baixadas marinhas onde o mundo se lhe apresentará como
projeto de futuro.
E o futuro se realiza
no plâncton dos mares. Nas correntezas sinfônicas da grande narrativa dos
oceanos. Tantos semelhantes, muitos predadores, o sentido trocado dos canais ora
como El Niño ou como La Niña. De tudo que o universo se contamina do lixo
industrial, do arrastar com força de megatons atômicos do casco dos navios
petroleiros perturbando toda a dinâmica da costa.
É uma vida de criação,
de solução frente às contradições, um construir na permanente desconstrução. No
meio do cardume que protege a individualidade na trama do coletivo, mesmo que
alguns membros caiam pelo avanço faminto dos predadores. Mas é uma vida em
permanente substituição. Em contínuo apreender as necessidades.
Em permanente
aprendizado do movimento dos oceanos. Com seus ciclos naturais e seus desastres
ambientais. Aprender sobre o meio em que se desenvolve é a regra da permanência
nele, além do contributo, se não em capítulos inteiros, pelo menos a redação da
linha de um inciso.
E quando se toma de
plenas forças no ambiente salgado dos mares em que vive, vem a necessidade de
gerar outros iguais e tudo o mais é esquecido. Abandona a carreira na qual se
consolidara e sai em decidido contrafluxo em busca de sua origem, abandona as
águas salgadas e migra na renascença da água doce com uma determinação nascida
simultaneamente em si e fora de si.
Todos fazem o mesmo.
Portanto uma grande necessidade externa ao corpo e ao projeto de vida no mar.
Rasga a desembocadura daquele mesmo rio onde um dia desceu e, contra a
correnteza e a força de gravidade, toma a sinuosidade do aclive montanhoso como
destino.
Salta corredeiras, com
seu corpo sobre as pedras, rasgado pelas lâminas das lascas que a erosão das
águas soltam. Enfrenta pequenas cachoeiras, se emaranha no cipoal e galhos que
descem pelas águas. E vai em busca de sua origem. Contra sua higidez física. Contra
sua migração marinha. Contra a sanidade da vida conhecida e, até então,
satisfeita.
Paradoxalmente o Salmão
retorna ao lago onde eclodiu e nele libera milhões de ovos que gerarão outros
de sua espécie. E se esta dramática vida é a síntese de todos na natureza
mutável é, no entanto, o curso determinado com a participação dos atores e neles,
apesar da ordem geral, reside a micronarrativa de uma vida.
Mas não os Salmões das
multinacionais nórdicas do sul do Chile. Multinacionais que inventaram um falso
ciclo que engana esta narrativa. No lago Llanquihue eclodem os ovos e em
viveiros fazem crescer milhões num ritmo de granja a engordar e crescer
rapidamente. Em seguida põem a todos em imensos tanques e os transportam até as
gaiolas na costa do mar.
E aprisionados, mesmo que
em ambiente marinho, os salmões não mais fazem o seu projeto de vida, mas o
projeto de engordar o preço das ações nas bolsas de valores. Os salmões são
ludibriados com a simulação do retorno às corredeiras de origem e assim nidam
os ovos necessários ao ciclo do grande negócio.
Os salmões do Chile são
como o povo do Chile: uma narrativa para mover o grande capital. Que além dos
ovos ainda têm a rica venda da carne do salmão abatido logo após completar sua
missão nesta ordem. Tornar a vida do poderoso investidor e do grande executivo
numa especial e individualista presença sobre o destino do que resta do sufoco
do aumento na passagem de ônibus dos trabalhadores.
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