por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 7 de junho de 2013

Lua cheia



O padre Adalmiram Vasconcelos, pároco de Farias Brito, vem sendo seguidamente imputado de polêmico pela população caririense. Conheci-o , recém ordenado, ainda como capelão do Hospital São Francisco , e sempre me pareceu um religioso aberto, cordato e tranqüilo. Em 2010, ele  trabalhando em Santana do Cariri , tomara medidas firmes no que tange à festa da padroeira daquela cidade que vinha tomando formato de um “Carnaval fora de época”. Blocos, trios elétricos, camisetas com alusões indecorosas e incentivo maciço às libações alcoólicas. Na época, com ajuda do prefeito e Ministério Público, criou regras e condutas na tentativa de imprimir um sentido mais cristão à festa religiosa. Sofreu , em represária, perseguições de grupos jovens locais,  disseminando-se o boato de que, à noite, o nosso pároco uivava à lua e virava lobisomem. Em 2011, o padre assumiu a paróquia de Nossa Senhora da Conceição em Farias Brito. Em setembro do ano passado , solicitou aos fiéis da Serra do Quincuncá para não soltarem fogos de artifícios na missa em sufrágio da alma de Padre Cícero. Adelmiram acreditava que haviam sido os fogos que causaram um incêndio que terminou por devastar mais de dez quilometros da serra, com grave impacto ecológico. A população afeita ao fogaréu e ao pipoco , não viu com bons olhos a medida. Agora, por fim, explode uma outra polêmica. Aberta a Festa de Santo Antonio em Cariutaba, o sacerdote recorreu aos serviços do Ibama e da polícia para impedir o corte de uma árvore gigantesca , feito anualmente, desde o Século XIX, para se usar como pau da bandeira. Fincou a bandeira do santo casamenteiro na torre da igreja. Proibiu ainda o consumo exagerado de bebidas . As festividades vêm acontecendo do lado de fora do templo: por medida de segurança,  Adelmiram mandou passar um cadeado na capela. A revolta dos  moradores, num local tradicionalmente sem muitas atrações,  parece visível e perturbadora.
                                   À luz da razão , é difícil confrontar as medidas saneadoras e corajosas do nosso padre. É um verdadeiro absurdo se cortar, anualmente, uma árvore antiga, com o fito único de se montar um suporte de bandeira. Essa medida, amigos, fere não só princípios ecológicos, mas também legais. Sem falar no contra-senso que é uma religião que deve defender intransigentemente a preservação da vida nas suas mais diversas formas, servir de instrumento para a destruição. Que pensaria disso São Francisco de Assis ? Por que não mantemos a mesma tradição , utilizando sempre o mesmo mastro ? Por outro lado, que têm de sagradas as nossas festas religiosas? As estatísticas de violência na Semana Santa são, historicamente,  muito mais catastróficas de que as do Carnaval. Há shows nababescos  toda  Sexta Feira Santa em Gravatá, Pernambuco, regados a droga, sexo e Rock´n Roll. A Festa do pau da Bandeira de Barbalha  é similar aos rituais de fertilidade pagãos, com seu símbolo fálico reverenciado em cada esquina. As festividades da Baixa Rasa ,aqui em Crato,  não juntariam tanta gente sem a música, o aguardente e a paquera, ingredientes básicos de qualquer solenidade profana que se preze. Padre Adalmiram traz consigo esta pureza quase missionária, remontando às raízes do Cristianismo. Com coragem, cumpre a responsabilidade que se espera de um pastor : ver adiante, perceber novos caminhos por trás das lentes embotadas da aparente normalidade cotidiana. Nada, no entanto, contra a corrente, será massacrado pela população, pela política e mesmo seus pares não compreenderão sua Cruzada.
                                   O Sagrado e o Profano sempre estiveram umbilicalmente ligados em todas as nossas comemorações sacras. Talvez os brasileiros, por natureza, não sejam muito afeitos aos liames dos ritos. Pela nossa própria colonização, nossa religião é, também, profundamente miscigenada. Comungamos na igreja, mas freqüentamos o Centro Espírita, vez ou outra comparecemos ao Terreiro, acreditamos em reencarnação, usamos umas folhinhas de arruda , alguma figa, somos fatalistas, não comemos carne de porco e por aí vai. Nas festividades religiosas rapidamente entra um atabaque, um violãozinho, uma sanfona , que puxa uma caipirinha. Rapidamente os cultos ultrapassam as fronteiras do sagrado. Por outro lado, as cidades tomam as festas como suas( o turismo é politicamente cada vez mais atraente e uma fonte de renda importante), entram nas agendas turísticas dos municípios , parte-se para divulgação, procuram-se atrações de massa como isca e, de repente, a festa é festa e não mais culto. As entidades religiosas, por sua vez, pragmáticas, beneficiando-se com o aumento da arrecadação , fecham os olhos para o crescimento absurdo do profano, afinal  no Brasil tudo sempre acaba em festa.
                                   Acredito, no entanto, que não podemos apenas , simploriamente, lançar no povo brasileiro a culpa pela propensão natural à esbórnia.  O Cristianismo , estrategicamente, colocou sua festas principais na mesma data das antigas festas pagãs, no sentido de esvaziá-las. Os festins são todos retratos vivos de velhas encenações e iniciações de ritos pagãos. O Natal ( até hoje não sabemos a data do nascimento de Cristo) foi alocado em  25 de Dezembro, exatamente na antiga Saturnália , a grande festa romana que comemorava o solstício de inverno. A Páscoa, com seu coelhinho, seu chocolate e seus ovos, remontam ao culto da Deusa Ostera, símbolo da fertilidade e do renascimento na Mitologia anglo-saxônica. As comemorações dos nossos dias santos não passam, na verdade, de adaptações aos rituais às deusas primitivas, reverenciadas na época das plantações e cultivos dos alimentos. Deve ter se sedimentado no nosso inconsciente coletivo que não se pode venerar Zeus, sem acender também uma  vela para Vênus, para Baco e Dionísio.
                                   Possivelmente as árvores continuaram sendo tombadas; as bandas de forró seguirão fazendo a trilha sonora das festas religiosas; os tonéis de aguardente  persistirão na sua tradição de regar as preces. Apesar das nuvens, a lua permanecerá cheia. Adelmiram sabe disso e – mesmo sem sê-lo--  faz aquilo que se espera de um lobisomem : uivar !

 J. Flávio Vieira

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