A corrupção é uma marca
tão essencial ao capitalismo que não pode ser codificada em normas morais e
éticas. A natureza em si do sistema econômico capitalista é extrair vantagens
que podem ir ao limite da destruição do outro. Talvez a única coisa que ameace ao
sistema é a negação da propriedade privada de quem acumulou. Por outro lado quem
nada tem, pode até sentir-se ameaçado numa discussão de cinco reais, uma vez
que existe um sentimento contínuo de perigo sobrenadando a existência dos
pobres no sistema capitalista.
Os movimentos
fascistas, os braços nervosos dos varões de Plutarco contra a corrupção, o
púlpito do demônio alheio jogam sempre com este perigo inerente aos pobres que
vivem num sistema cuja natureza é tirar deles e concentrar no “mérito” de
alguém. Quando o sistema Globo inventou Collor de Mello jogou com este
sentimento generalizado no povo brasileiro: o Caçador de Marajás. A rigor os “donos-do-poder”
faziam uma jogada perigosa: levantavam a lebre da raiva popular contra aqueles
que tudo lhes tira dirigindo tudo ao Governo e aos políticos, mas num lapso de
marketing a consciência poderia brotar ali. Os verdadeiros acumuladores de
riquezas (num mundo finito quem acumula retira de alguém) são verdadeiramente
outros.
São os construtores. Os
patrões das terras. Os industriais e seu exército de executivos. Os comerciantes
e atravessadores. Os fornecedores e prestadores do Estado. Os especuladores na
Bolsa. Os banqueiros com os escolhidos do rentismo e vai neste tipo de
personagens e suas narrativas de vida.
Um exemplo de inerência
corruptora temos nos 15 milhões de litros de água adicionado ao leite no Rio
Grande do Sul. A fórmula era simples: 10 gramas de ureia diluída num litro de
água e adicionada em nove litros de leite. A ureia, aliás, é uma das primeiras
substâncias orgânicas a ser sintetizada em laboratório e foi a que derrubou a
teoria de Pasteur de que as substâncias orgânicas só poderiam ser sintetizadas
num organismo vivo. Como vimos existem muitos vivos mais “vivos” que o comum
dos vivos.
Tem-se um padrão de
qualidade para os alimentos. Ao fazer a adição corrupta os fraudadores estavam
na mesma lógica dos juros bancários, do preço das mercadorias, dos salários dos
trabalhadores e por aí vai. Acontece que tal adição foi levantada por dentro
das instituições do sistema e nesse sentido o argumento da inerência estaria
prejudicado. A explicação se encontra no fato de que o próprio processo de
acumulação por ser autofágico precisa ser freado em seu poder destruidor a
ponto de perder a natureza sistêmica e se tornar uma mera destruição aleatória.
Aumentar a água do
feijão para encher o prato da família faminta é uma solução diferente de aumentar
a água no leite para se obter lucro além daquele que já se encontra acordado. A
água adicionada ao leite é igual às escolhas da alimentação escolar feitas por
funcionários municipais (incluindo vereadores, prefeitos e secretários) para
atender à negociação com fornecedores que financiam a vida privada e política
de alguns.
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