por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 1 de março de 2013


Zodíaco – Março – poema de Daniel Lima

                               Março vem
                Quando menos se espera.
 Março é pássaro avoante
                é ave de arribação.

Há de repende uma escuridão no céu
                               Como de chuva urgente.
                Levantam-se cabeças.
          Não há nuvem de chuva,
               Não é escuro do ar.

São pássaros que passam em revoada,
                               é março que flutua,
                é março no seu tempo e no teu céu.

Março é fluido e fluente
                    como o rio de Heráclito.
Mas ao cair da tarde,
                à chegada da noite
março firma-se no chão
como o ser de Parmênides,
é terra em que se pisa, solo firme,
vontade de ficar.

                Fluir, ficar.
Às vezes, penso:
                março fundou a dialética
(a verdadeira, não a nossa,
                a triste pobre nossa
                dialética da consumição).

Março é essa perpétua interrogação    
                               suspensa no ar.
É a resposta não percebida
                senão quando passou.

Março é a véspera
                (não aconteceu ainda).

 Março é o dia seguinte
                (acontecerá sempre amanhã).

Março é o intervalo,
                               a pausa,
                a ansiosa espera,
o olhar perdido na distância,
                               quase desesperado,
                mas o teimoso coração
                              a se dizer: “Ele vem!”

Quem que vem? Quem março espera?
Ele, ela, o amor, a paz,
                a boa serenidade,
                               o calmo desencanto,
                o alegre imprevisto,
                               a vida afinal
                (que nem sempre acontece).

Março é o travo
 que dá sabor à vida
                e elimina
a nauseante doçura original.
A amargura de março.
               Sem ela
ninguém suportaria a vida
medíocre feliz e doce vida demais.

A felicidade é fruta
     que tem sabor e cica.
   Março é fruta e é feliz.

Aprende a saborear com volúpia
a vida e seu travor.

É março que te diz.
                Ama a fruta e seu travo.

Março semeia,
                Março não colhe.

O milharal de março
                Será o milho que assarás
Nas fogueiras de junho.

    Março tem a humildade, a grandeza
da fonte cujas águas te abastecem
    e que te matam a sede
    e de que nem te lembras
                e que até desconheces.

Março é a paixão que olha para si mesma
    e se queima no próprio fogo
                como uma vela.

É preciso traduzir março
                para entendê-lo.

Ele é o gesto
                o código
                     o enigma.

Traduze-o vivendo.
                Simplesmente vivendo.
(Não compliques).

Março é a oculta mão,
                               No entanto estendida
                e que não apertas
porque não a vês, a oculta mão
                               a ti sempre estendida.

               Março é a altura da tua alma.
Cresce para colheres sempre mais
                               no alto,
                a amarga, a saborosa fruta
                    que é março em tua vida.

                           (Daniel Lima in POEMAS. Recife 2010)

 

 

               

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