Zodíaco – Março – poema de Daniel Lima
Março
vem
Quando
menos se espera.
Há de repende uma escuridão no céu
Como
de chuva urgente.Levantam-se cabeças.
Não há nuvem de chuva,
Não é escuro do ar.
São pássaros que passam em revoada,
é março que flutua,
é março no seu tempo e no teu céu.
Março é fluido e fluente
como o rio de Heráclito.Mas ao cair da tarde,
à chegada da noite
março firma-se no chão
como o ser de Parmênides,é terra em que se pisa, solo firme,
vontade de ficar.
Fluir,
ficar.
Às vezes, penso:março fundou a dialética
(a verdadeira, não a nossa,
a triste pobre nossa
dialética da consumição).
Março é essa perpétua interrogação
suspensa
no ar. É a resposta não percebida
senão quando passou.
Março é a véspera
(não aconteceu ainda).
Março é o intervalo,
a pausa,a ansiosa espera,
o olhar perdido na distância,
quase desesperado,
mas o teimoso coração
a se dizer: “Ele vem!”
Quem que vem? Quem março espera?
Ele, ela, o amor, a paz,a boa serenidade,
o calmo desencanto,
o alegre imprevisto,
a vida afinal
(que nem sempre acontece).
Março é o travo
que dá sabor à
vidae elimina
a nauseante doçura original.
A amargura de março.
Sem ela
ninguém suportaria a vida
medíocre feliz e doce vida demais.
A felicidade é fruta
que tem sabor
e cica.Março é fruta e é feliz.
Aprende a saborear com volúpia
a vida e seu travor.
É março que te diz.
Ama
a fruta e seu travo.
Março semeia,
Março
não colhe.
O milharal de março
Será
o milho que assarásNas fogueiras de junho.
Março tem a humildade, a grandeza
da fonte cujas águas te abastecem
e que te matam a sede
e de que nem te lembras
e que até desconheces.
Março é a paixão que olha para si mesma
e se queima no
próprio fogocomo uma vela.
É preciso traduzir março
para
entendê-lo.
Ele é o gesto
o
códigoo enigma.
Traduze-o vivendo.
Simplesmente vivendo.
(Não compliques).
Março é a oculta mão,
No
entanto estendidae que não apertas
porque não a vês, a oculta mão
a ti sempre estendida.
Março
é a altura da tua alma.
Cresce para colheres sempre maisno alto,
a amarga, a saborosa fruta
que é março em tua vida.
(Daniel Lima in POEMAS. Recife 2010)
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